O MAL DE PORTUGAL CHAMA-SE SOCIALISMO

A doença de que padecemos tem um nome: EXCESSO DE ESTADO, ou numa palavra: SOCIALISMO

terça-feira, abril 29

Mises revisitado: sobre o Capitalismo

No momento em que se começa, apenas se começa, a falar do aumento dos preços das matérias primas, e se começam a ouvir vozes, apenas algumas como sempre ao princípio, advogando o maior controle por parte do estado dos preços dos bens essenciais, é mandatório reler Mises na primeira das suas seis lições magistrais.

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PRIMEIRA LIÇÃO
O CAPITALISMO

Certas expressões usadas pelo povo são, muitas vezes, inteiramente
equivocadas. Assim, atribuem-se a capitães de indústria e a grandes
empresários de nossos dias epítetos como "o rei do chocolate", "o rei do
algodão" ou "o rei do automóvel". Ao usar essas expressões, o povo demonstra
não ver praticamente nenhuma diferença entre os industriais de hoje e os reis,
duques ou lordes de outrora. Mas, na realidade, a diferença é enorme, pois um
rei do chocolate absolutamente não rege, ele serve. Não reina sobre um
território conquistado, independente do mercado, independente de seus
compradores. O rei do chocolate - ou do aço, ou do automóvel, ou qualquer
outro rei da indústria contemporânea - depende da indústria que administra e
dos clientes a quem presta serviços. Esse "rei" precisa se conservar nas boas
graças dos seus súditos, os consumidores: perderá seu "reino" assim que já não
tiver condições de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo
custo que o oferecido por seus concorrentes.
Duzentos anos atrás, antes do advento do capitalismo, o status social de um
homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua existência: era
herdado dos seus ancestrais e nunca mudava. Se nascesse pobre, pobre seria
para sempre; se rico - lorde ou duque -, manteria seu ducado, e a propriedade
que o acompanhava, pelo resto dos seus dias. (3) No tocante à manufatura, as
primitivas indústrias de beneficiamento da época existiam quase
exclusivamente em proveito dos ricos. A grande maioria do povo (90% ou mais
da população européia) trabalhava na terra e não tinha contato com as
indústrias de beneficiamento, voltadas para a cidade. Esse rígido sistema da
sociedade feudal imperou, por muitos séculos, nas mais desenvolvidas regiões
da Europa.
Contudo, a população rural se expandiu e passou a haver um excesso de
gente no campo. Os membros dessa população excedente, sem terras herdadas
ou bens, careciam de ocupação. Também não lhes era possível trabalhar nas
8
indústrias de beneficiamento, cujo acesso lhes era vedado pelos reis das
cidades. O número desses "párias" crescia incessantemente, sem que todavia
ninguém soubesse o que fazer com eles. Eram, no pleno sentido da palavra,
"proletários", e ao governo só restava interná-los em asilos ou casas de
correção. Em algumas regiões da, Europa, sobretudo nos Países Baixos e na
Inglaterra, essa população tornou-se tão numerosa que, no século XVIII,
constituía uma verdadeira ameaça à preservação do sistema social vigente:
Hoje, ao discutir questões análogas em lugares como a Índia ou outros países
em desenvolvimento, não devemos esquecer que, na Inglaterra do Século
XVIII, as condições eram muito piores. Naquele tempo, a Inglaterra tinha uma
população de seis ou sete milhões de habitantes, dos quais mais de um milhão -
provavelmente dois - não passavam de indigentes a quem o sistema social em
vigor nada proporcionava. As medidas a tomar com relação a esses deserdados
constituíam um dos maiores problemas da Inglaterra. (4)
Outro sério problema era a falta de matérias-primas. Os ingleses eram
obrigados a enfrentar a seguinte questão: que faremos, no futuro, quando
nossas florestas já não nos derem a madeira de que necessitamos para nossas
indústrias e para aquecer nossas casas? Para as classes governantes, era uma
situação desesperadora. Os estadistas não sabiam o que fazer e as autoridades
em geral não tinham qualquer idéia sobre como melhorar as condições.
Foi dessa grave situação social que emergiram os começos do capitalismo
moderno. Dentre aqueles párias, aqueles miseráveis, surgiram pessoas que
tentaram organizar grupos para estabelecer pequenos negócios, capazes de
produzir alguma coisa. Foi uma inovação. Esses inovadores não produziam
artigos caros, acessíveis apenas às classes mais altas: produziam bens mais
baratos, que pudessem satisfazer as necessidades de todos. E foi essa a origem
do capitalismo tal como hoje funciona. Foi o começo da produção em massa -
princípio básico da indústria capitalista. Enquanto as antigas indústrias de
beneficiamento funcionavam a serviço da gente abastada das cidades, existindo
quase que exclusivamente para corresponder às demandas dessas classes
privilegiadas, as novas indústrias capitalistas começaram a produzir artigos
9
acessíveis a toda a população. Era a produção em massa, para satisfazer às
necessidades das massas.
Este é o principio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos
os países onde há um sistema de produção em massa extremamente
desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos mais fanáticos ataques
desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase exclusivamente para
suprir a carência das massas. As empresas dedicadas à fabricação de artigos de
luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm condições de alcançar a
magnitude das grandes empresas. E, hoje, os empregados das grandes fábricas
são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se
fabricam. Esta é a diferença básica entre os princípios capitalistas de produção
e os princípios feudalistas de épocas anteriores.
Quando se pressupõe ou se afirma a existência de uma diferença entre os
produtores e os consumidores dos produtos da grande empresa, incorre-se em
grave erro. Nas grandes lojas dos Estados Unidos, ouvimos o slogan: "O cliente
tem sempre razão." (5)
E esse cliente é o mesmo homem que produz, na fábrica, os artigos à venda
naqueles estabelecimentos. Os que pensam que a grande empresa detém um
enorme poder também se equivocam, uma vez que a empresa de grande porte é
inteiramente dependente da preferência dos que lhes compram os produtos; a
mais poderosa empresa perderia seu poder e sua influência se perdesse seus
clientes.
Há cinqüenta ou sessenta anos, era voz corrente em quase todos os países
capitalistas que as companhias de estradas de ferro eram por demais grandes e
poderosas: sendo monopolistas, tornavam impossível a concorrência. Alegavase
que, na área dos transportes, o capitalismo já havia atingido um estágio no
qual se destruíra a si mesmo, pois que eliminara a concorrência. O que se
descurava era o fato de que o poder das ferrovias dependia de sua capacidade
de oferecer à população um meio de transporte melhor que qualquer outro.
Evidentemente teria sido absurdo concorrer com uma dessas grandes estradas
de ferro, através da implantação de uma nova ferrovia paralela à anterior,
10
porquanto a primeira era suficiente para atender às necessidades do momento.
Mas outros concorrentes não tardaram a aparecer. A livre concorrência não
significa que se possa prosperar pela simples imitação ou cópia exata do que já
foi feito por alguém. A liberdade de imprensa não significa o direito de copiar
o que outra pessoa escreveu, e assim alcançar o sucesso a que o verdadeiro
autor fez jus por suas obras. Significa o direito de escrever outra coisa. A
liberdade de concorrência no tocante às ferrovias, por exemplo, significa
liberdade para inventar alguma coisa, para fazer alguma coisa que desafie as
ferrovias já existentes e as coloque em situação muito precária de
competitividade.
Nos Estados Unidos, a concorrência que se estabeleceu através dos ônibus,
automóveis, caminhões e aviões impôs às estradas de ferro grandes perdas e
uma derrota quase absoluta no que diz respeito ao transporte de passageiros. (6)
O desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o
direito de servir melhor e/ou mais barato o seu cliente. E, num tempo
relativamente curto, esse método, esse princípio, transformou a face do mundo,
possibilitando um crescimento sem precedentes da população mundial.
Na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a seis
milhões de pessoas, num baixíssimo padrão de vida. Hoje, mais de cinqüenta
milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão de vida que chega a ser superior
ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. E o padrão de vida na Inglaterra
de hoje seria provavelmente mais alto ainda, não tivessem os ingleses dissipado
boa parte de sua energia no que, sob diversos pontos de vista, não foram mais
que "aventuras" políticas e militares evitáveis.
Estes são os fatos acerca do capitalismo. Assim, se um inglês - ou, no
tocante a esta questão, qualquer homem de qualquer pais do mundo - afirmar
hoje aos amigos ser contrário ao capitalismo, há uma esplêndida contestação a
lhe fazer: "Sabe que a população deste planeta é hoje dez vezes maior que nos
períodos precedentes ao capitalismo? Sabe que todos os homens usufruem hoje
um padrão de vida mais elevado que o de seus ancestrais antes do advento do
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capitalismo? E como você pode ter certeza de que, se não fosse o capitalismo,
você estaria integrando a décima parte da população sobrevivente? Sua mera
existência é uma prova do êxito do capitalismo, seja qual for o valor que você
atribua à própria vida."
Não obstante todos os seus benefícios, o capitalismo foi furiosamente
atacado e criticado. É preciso compreender a origem dessa aversão. É fato que
o ódio ao capitalismo nasceu não entre o povo, não entre os próprios
trabalhadores, mas em meio à aristocracia fundiária - a pequena nobreza da
Inglaterra e da Europa continental. Culpavam o capitalismo por algo que não
lhes era muito agradável: no início do século XIX, os salários mais altos pagos
pelas indústrias aos seus trabalhadores forçaram a aristocracia agrária a pagar
salários igualmente altos aos (7) seus trabalhadores agrícolas. A aristocracia
atacava a indústria criticando o padrão de vida das massas trabalhadoras.
Obviamente, do nosso ponto de vista, o padrão de vida dos trabalhadores era
extremamente baixo. Mas, se as condições de vida nos primórdios do
capitalismo eram absolutamente escandalosas, não era porque as recém-criadas
indústrias capitalistas estivessem prejudicando os trabalhadores: as pessoas
contratadas pelas fábricas já subsistiam antes em condições praticamente
subumanas.
A velha história, repetida centenas de vezes, de que as fábricas empregavam
mulheres e crianças que, antes de trabalharem nessas fábricas, viviam em
condições satisfatórias, é um dos maiores embustes da história. As mães que
trabalhavam nas fábricas não tinham o que cozinhar: não abandonavam seus
lares e suas cozinhas para se dirigir às fábricas - corriam a elas porque não
tinham cozinhas e, ainda que as tivessem, não tinham comida para nelas
cozinharem. E as crianças não provinham de um ambiente confortável: estavam
famintas, estavam morrendo. E todo o tão falado e indescritível horror do
capitalismo primitivo pode ser refutado por uma única estatística: precisamente
nesses anos de expansão do capitalismo na Inglaterra, no chamado período da
Revolução Industrial inglesa, entre 1760 e 1830, a população do país dobrou, o
que significa que centenas de milhares de crianças - que em outros tempos
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teriam morrido - sobreviveram e cresceram, tornando-se homens e mulheres.
Não há dúvida de que as condições gerais de vida em épocas anteriores eram
muito insatisfatórias. Foi o comércio capitalista que as melhorou. Foram
justamente aquelas primeiras fábricas que passaram a suprir, direta ou
indiretamente, as necessidades de seus trabalhadores, através da exportação de
manufaturados e da importação de alimentos e matérias-primas de outros
países. Mais uma vez, os primeiros historiadores do capitalismo falsearam - é
difícil usar uma palavra mais branda - a história. (8)
Há uma anedota - provavelmente inventada - que se costuma contar a
respeito de Benjamin Franklin: em visita a um cotonifício na Inglaterra, Ben
Franklin ouviu do proprietário cheio de orgulho: "Veja, temos aqui tecidos de
algodão para a Hungria." Olhando à sua volta e constatando que os
trabalhadores estavam em andrajos, Franklin perguntou: "E por que não produz
também para os seus empregados?"
Mas as exportações de que falava o dono do cotonifício realmente
significavam que ele de fato produzia para os próprios empregados, visto que a
Inglaterra tinha de importar toda a sua matéria-prima. Não possuía nenhum
algodão, como também ocorria com a Europa continental. A Inglaterra
atravessava uma fase de escassez de alimentos: era necessária sua importação
da Polônia, da Rússia, da Hungria. Assim, as exportações - como as de tecidos
- se constituíam no pagamento de importações de alimentos necessários à
sobrevivência da população inglesa. Muitos exemplos da história dessa época
revelarão a atitude da pequena nobreza e da aristocracia com relação aos
trabalhadores. Quero citar apenas dois. Um é o famoso sistema inglês do seed
and land. Por tal sistema, o governo inglês pagava a todos os trabalhadores que
não chegavam a receber um salário mínimo (oficialmente fixado) a diferença
entre o que recebiam e esse mínimo. Isso poupava à aristocracia fundiária o
dissabor de pagar salários mais altos. A pequena nobreza continuaria pagando o
tradicionalmente baixo salário agrícola, suplementado pelo governo. Evitavase,
assim, que os trabalhadores abandonassem as atividades rurais em busca de
emprego nas fábricas urbanas.
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Oitenta anos depois, após a expansão do capitalismo da Inglaterra para a
Europa continental, mais uma vez verificou-se a reação da aristocracia rural
contra o novo sistema de produção. Na Alemanha, os aristocratas prussianos -
tendo perdido muitos trabalhadores para as indústrias capitalistas, que
ofereciam melhor remuneração - cunharam uma expressão especial para
designar o problema: "fuga do cam(9)po" - Landflucht. Discutiu-se, então, no
Parlamento alemão, que tipo de medida se poderia tomar contra aquele mal - e
tratava-se indiscutivelmente de um mal, do ponto de vista da aristocracia rural.
O príncipe Bismarck, o famoso chanceler do Reich alemão, disse um dia num
discurso: "Encontrei em Berlim um homem que havia trabalhado em minhas
terras. Perguntei-lhe: 'Por que deixou minhas terras? Por que deixou o campo?
Por que vive agora em Berlim?; "
E, segundo Bismarck, o homem respondeu: "Ha aldeia não se tem, como
aqui em Berlim, um Biergarten tão lindo, onde nos podemos sentar; tomar
cerveja e ouvir música." Esta é, sem dúvida, uma estória contada do ponto de
vista do príncipe Bismarck, o empregador. Não seria o ponto de vista de todos
os seus empregados. Estes acorriam à indústria porque ela lhes pagava salários
mais altos e elevava seu padrão de vida a níveis sem precedentes.
Hoje, nos países capitalistas, há relativamente pouca diferença entre a vida
básica das chamadas classes mais altas e a das mais baixas: ambas têm
alimento, roupas e abrigo. Mas no século XVIII, e nos que o precederam, o que
distinguia o homem da classe média do da classe baixa era o fato de o primeiro
ter sapatos, e o segundo, não. Hoje, nos Estados Unidos, a diferença entre um
rico e um pobre reduz-se muitas vezes à diferença entre um Cadillac e um
Chevrolet. O Chevrolet pode ser de segunda mão, mas presta a seu dono
basicamente os mesmos serviços que o Cadillac poderia prestar, uma vez que
também está apto a se deslocar de um local a outro. Mais de 50% dá população
dos Estados Unidos vivem em casas e apartamentos próprios.
As investidas contra o capitalismo - especialmente no que se refere aos
padrões salariais mais altos - tiveram por origem a falsa suposição de que os
salários são, em última análise, pagos por pessoas diferentes daquelas que
14
trabalham nas fábricas. Certamente, nada impede que economistas e estudantes
de teorias econômicas tracem uma distinção entre trabalhador e consumidor.
Mas o fato é que todo consumidor tem de ganhar, de uma maneira ou de outra,
o dinheiro que gasta, e a imensa maioria dos consumidores é constituída
precisamente por aquelas mesmas pessoas que trabalham como empregados
nas empresas produtoras dos bens que consomem.
No capitalismo, os padrões salariais não são estipulados por pessoas
diferentes das que ganham os salários: são essas mesmas pessoas que os
manipulam. Não é a companhia cinematográfica de Hollywood que paga os
salários de um astro das telas, quem os paga é o público que compra ingresso
nas bilheterias dos cinemas. E não é o empresário de uma luta de boxe que
cobre as enormes exigências de lutadores laureados, mas sim a platéia, que
compra entradas para a luta. A partir da distinção entre empregado e
empregador, traça-se, no plano da teoria econômica, uma distinção que não
existe na vida real. Nesta, empregador e empregado são, em última análise,
uma só e a mesma pessoa.
Em muitos países há quem considere injusto que um homem obrigado a
sustentar uma família numerosa receba o mesmo salário que outro, responsável
apenas pela própria manutenção. No entanto, o problema é não questionar se é
ao empresário ou não que cabe assumir a responsabilidade pelo tamanho da
família de um trabalhador.
A pergunta que deve ser feita neste caso é: Você, como indivíduo, se
disporia a pagar mais por alguma coisa, digamos, um pão, se for informado de
que o homem que o fabricou tem seis filhos? Uma pessoa honesta por certo
responderia negativamente, dizendo: "Em principio, sim. Nas na prática
tenderia a comprar o pão feito por um homem sem filho nenhum." O fato é que
o empregador a quem os compradores não pagam o suficiente para que ele
possa pagar seus empregados se vê na impossibilidade de levar adiante seus
negócios.
O "capitalismo" foi assim batizado não por um simpatizante do sistema, mas
por alguém que o tinha na conta do pior de todos os sistemas históricos, da
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mais grave calamidade que jamais se abatera (11) sobre a humanidade. Esse
homem foi Karl Marx. Não há razão, contudo, para rejeitar a designação
proposta por Marx, uma vez que ela indica claramente a origem dos grandes
progressos sociais ocasionados pelo capitalismo. Esses progressos são fruto da
acumulação do capital; baseiam-se no fato de que as pessoas, por via de regra,
não consomem tudo o que produzem e no fato de que elas poupam - e investem
- parte desse montante.
Reina um grande equívoco em torno desse problema. Ao longo destas seis
palestras, terei oportunidade de abordar os principais mal-entendidos em voga,
relacionados com a acumulação do capital, com o uso do capital e com os
benefícios universais auferidos a partir desse uso. Tratarei do capitalismo
particularmente em minhas palestras dedicadas ao investimento externo e a
esse problema extremamente crítico da política atual que é a inflação. Todos
sabem, é claro, que a inflação não existe só neste pais. Constitui hoje um
problema em todas as partes do mundo.
O que muitas vezes não se compreende a respeito do capitalismo é o
seguinte: poupança significa benefícios para todos os que desejam produzir ou
receber salários. Quando alguém acumula certa quantidade de dinheiro - mil
dólares, digamos - e confia esses dólares, em vez de gastá-los, a uma empresa
de poupança ou a uma companhia de seguros, transfere esse dinheiro para um
empresário, um homem de negócios, o que vai permitir que esse empresário
possa expandir suas atividades e investir num projeto, que na véspera ainda era
inviável, por falta do capital necessário.
Que fará então o empresário com o capital recém-obtido? Certamente a
primeira coisa que fará, o primeiro uso que dará a esse capital suplementar será
a contratação de trabalhadores e a compra de matérias-primas - o que
promoverá, por sua vez, o surgimento de uma demanda adicional de
trabalhadores e matérias-primas, bem como uma tendência à elevação dos
salários e dos preços dessas matérias-primas. Muito antes que o poupador ou o
empresário (12) tenham obtido algum lucro em tudo isso, o trabalhador
desempregado, o produtor de matérias-primas, o agricultor e o assalariado já
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estarão participando dos benefícios das poupanças adicionais.
O que o empresário virá ou não a ganhar com o projeto depende das
condições futuras do mercado e de seu talento para prevê-las corretamente.
Mas os trabalhadores, assim como os produtores de matéria-prima, auferem as
vantagens de imediato. Muito se falou, trinta ou quarenta anos atrás, sobre a
"política salarial" - como a denominavam - de Henry Ford. Uma das maiores
façanhas do Sr. Ford consistia em pagar salários mais altos que os oferecidos
pelos demais industriais ou fábricas. Sua política salarial foi descrita como uma
"invenção". Não se pode, no entanto, dizer que essa nova política "inventada"
seja simplesmente um fruto da liberalidade do Sr. Ford. Um novo ramo
industrial - ou uma nova fábrica num ramo já existente - precisa atrair
trabalhadores de outros empregos, de outras regiões do país e até de outros
países. E não há outra maneira de fazê-lo senão através do pagamento de
salários mais altos aos trabalhadores. Foi o que ocorreu nos primórdios do
capitalismo, e é o que ocorre até hoje.
Na Grã-Bretanha, quando os fabricantes começaram a produzir artigos de
algodão, eles passaram a pagar aos seus trabalhadores mais do que estes
ganhavam antes. Ê verdade que grande porcentagem desses novos
trabalhadores jamais ganhara coisa alguma antes. Estavam, então, dispostos a
aceitar qualquer quantia que lhes fosse oferecida. Mas, pouco tempo depois,
com a crescente acumulação do capital e a implantação de um número cada vez
maior de novas empresas, os salários se elevaram, e como conseqüência houve
aquele aumento sem precedentes da população inglesa, ao qual já me referi.
A reiterada caracterização depreciativa do capitalismo como um sistema
destinado a tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres é equivocada do
começo ao fim. A tese de Marx concernente ao advento do capitalismo baseouse
no pressuposto de (13) que os trabalhadores estavam ficando mais pobres, de
que o povo estava ficando mais miserável, o que finalmente redundaria na
concentração de toda a riqueza de um pais em umas poucas mãos, ou mesmo
nas de um homem só. Como conseqüência, as massas trabalhadoras
empobrecidas se rebelariam e expropriariam os bens dos opulentos
17
proprietários. Segundo essa doutrina de Marx, é impossível, no sistema
capitalista, qualquer oportunidade, qualquer possibilidade de melhoria das
condições dos trabalhadores.
Em 1865, falando perante a Associação Internacional dos Trabalhadores, na
Inglaterra, Marx afirmou que a crença de que os sindicatos poderiam promover
melhores condições para a população trabalhadora era "absolutamente
errônea". Qualificou a política sindical voltada para a reivindicação de
melhores salários e menor número de horas de trabalho de conservadora - era
este, evidentemente, o termo mais desabonador a que Marx podia recorrer.
Sugeriu que os sindicatos adotassem uma nova meta revolucionária: a
"completa abolição do sistema de salários", e a substituição do sistema de
propriedade privada pelo "socialismo" - a posse dos meios de produção pelo
governo.
Se consideramos a história do mundo - e em especial a história da Inglaterra
a partir de 1865 - verificaremos que Marx estava errado sob todos os aspectos.
Não há um só país capitalista em que as condições do povo não tenham
melhorado de maneira inédita. Todos esses progressos ocorridos nos últimos
oitenta ou noventa anos produziram-se a despeito dos prognósticos de Karl
Marx: os socialistas de orientação marxista acreditavam que as condições dos
trabalhadores jamais poderiam melhorar. Adotavam uma falsa teoria, a famosa
"lei de ferro dos salários". Segundo esta lei, no capitalismo os salários de um
trabalhador não excederiam a soma que lhe fosse estritamente necessária para
manter-se vivo a serviço da empresa.
Os marxistas enunciaram sua teoria da seguinte forma: se os padrões
salariais dos trabalhadores (14) sobem, com a elevação dos salários, a um nível
superior ao necessário para a subsistência, eles terão mais filhos. Esses filhos,
ao ingressarem na força de trabalho, engrossarão o número de trabalhadores até
o ponto em que os padrões salariais cairão, rebaixando novamente os salários
dos trabalhadores a um nível mínimo necessário para a subsistência - àquele
nível mínimo de sustento, apenas suficiente para impedir a extinção da
população trabalhadora.
18
Mas essa idéia de Marx, e de muitos outros socialistas, envolve um conceito
de trabalhador idêntico ao adotado - justificadamente - pelos biólogos que
estudam a vida dos animais. Dos camundongos, por exemplo.
Se colocarmos maior quantidade de alimento à disposição de organismos
animais, ou de micróbios, maior número deles sobreviverá. Se a restringirmos,
restringiremos o número dos sobreviventes. Mas com o homem é diferente.
Mesmo o trabalhador - ainda que os marxistas não o admitam - tem carências
humanas outras que as de alimento e de reprodução de sua espécie. Um
aumento dos salários reais resulta não só num aumento da população; resulta
também, e antes de tudo, numa melhoria do padrão de vida média. Ê por isso
que temos hoje, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, um padrão de vida
superior ao das nações em desenvolvimento, às da África, por exemplo.
Devemos compreender, contudo, que esse padrão de vida mais elevado
fundamenta-se na disponibilidade de capital. Isso explica a diferença entre as
condições reinantes nos Estados Unidos e as que encontramos na Índia. Neste
país foram introduzidos - ao menos em certa medida - modernos métodos de
combate a doenças contagiosas, cujo efeito foi um aumento inaudito da
população. No entanto, como esse crescimento populacional não foi
acompanhado de um aumento correspondente do montante de capital investido
no pais, o resultado foi um agravamento da miséria. Quanto mais se eleva o
capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o pais. (15)
Mas é preciso lembrar que nas políticas econômicas não ocorrem milagres.
Todos leram artigos de jornal e discursos sobre o chamado milagre econômico
alemão - a recuperação da Alemanha depois de sua derrota e destruição na
Segunda Guerra Mundial. Mas não houve milagre. Houve tão-somente a
aplicação dos princípios da economia do livre mercado, dos métodos do
capitalismo, embora essa aplicação não tenha sido completa em todos os
pontos. Todo pais pode experimentar o mesmo "milagre" de recuperação
econômica, embora eu deva insistir em que esta não é fruto de milagre: é fruto
da adoção de políticas econômicas sólidas, pois que é delas que resulta.(16)

1 Comments:

  • At 3:17 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Mises e o pensamento politicamente correto.

    O prof. von Mises escreveu muitos de seus textos nos anos 50. De lá para cá surgiu o tal pensamento politicamente correto, que parece ser uma praga a nos policiar.
    Mises considera o consumidor um rei, mostrando que os centros de produção não teriam tanto poder quanto pudessem imaginar. Mas dos anos 70 a estes dias o pensamento politicamente correto (que invadiu diversos setores) quer considerar que o consumidor é um idiota e precisa ser controlado, policiado e protegido. Em suma, grupos provenientes da Sociedade Civil, articulados com ideólogos da esquerda pretendem interferir nas decisões dos consumidores por meio da criação de uma rede de novos significados para as coisas e um mecanismo de interferência junto às áreas de produção, de tal modo que passa, de fato, a afetar o que realmente pretendem: o Capitalismo.
    Tudo o que possa atrapalhar o funcionamento do Mercado é agora Politicamente Correto e ganha status ético. No fundo, como já escreveu João Coutinho, os vermelhos agora são verdes.

    J. Mendes/Brasil.

     

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