O MAL DE PORTUGAL CHAMA-SE SOCIALISMO

A doença de que padecemos tem um nome: EXCESSO DE ESTADO, ou numa palavra: SOCIALISMO

terça-feira, abril 29

Mises revisitado: sobre o Intervencionismo do Estado

TERCEIRA LIÇÃO

O INTERVENCIONISMO

Diz uma frase famosa, muito citada: "O melhor governo é o que menos
governa." Esta não me parece uma caracterização adequada das funções de um
bom governo. Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é necessário
e para as quais foi instituído. Tem o dever de proteger as pessoas dentro do pais
contra as investidas violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de
defender o país contra inimigos externos. São estas as funções do governo num
sistema livre, no sistema da economia de mercado.
No socialismo, obviamente, o governo é totalitário, nada escapando à sua
esfera e sua jurisdição. Mas na economia de mercado, a principal incumbência
do governo é proteger o funcionamento harmônico desta economia contra a
fraude ou a violência originadas dentro ou fora do pais.
Os que discordam desta definição das funções do governo poderão dizer:
"Este homem abomina o governo." Nada poderia estar mais longe da verdade.
Se digo que a gasolina é um liquido de grande serventia, útil para muitos
propósitos, mas que, não obstante, eu não a beberia, por não me parecer esse o
uso próprio para o produto, não me converto por isso num inimigo da gasolina,
nem se poderia dizer que odeio a gasolina. Digo apenas que ela é muito útil
para determinados fins, mas inadequada para outros. Se digo que é dever do
governo prender assassinos e demais (35) criminosos, mas que não é seu dever
abrir estradas ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer que eu odeie o
governo apenas por afirmar que ele está qualificado para fazer determinadas
coisas, mas não o está para outras.
Já se disse que, nas condições atuais, não temos mais uma economia de
mercado livre. O que temos nas condições presentes é algo a que se dá o nome
de "economia mista". E como provas da efetividade dessa nossa "economia
mista", apontam-se as muitas empresas de que o governo é proprietário e
gestor. A economia é mista, diz-se, porque, em muitos países, determinadas
instituições - como as companhias de telefone e telégrafo, as estradas de ferro -
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são de posse do governo e administradas por ele.
Não há dúvida de que algumas dessas instituições e empresas são geridas
pelo governo. Mas esse fato não é suficiente para alterar o caráter do nosso
sistema econômico. Nem sequer significa que se tenha instalado um "pequeno
socialismo" no âmago do que seria - não fosse a intrusão dessas empresas de
gestão governamental - a economia de mercado livre e não socialista. Isto
porque o governo, ao dirigir essas empresas, está subordinado à supremacia do
mercado, o que significa que está subordinado à supremacia dos consumidores.
Ao administrar, digamos, o correio ou as estradas de ferro, ele é obrigado a
contratar pessoal para trabalhar nessas empresas. Precisa também comprar as
matérias-primas e os demais produtos necessários à operação das mesmas. E,
por outro lado, o governo "vende" esses serviços e mercadorias para o público.
Todavia, embora administre essas instituições utilizando os métodos do sistema
econômico livre, o resultado, via de regra, é um déficit. O governo, contudo,
tem condições de financiar esse déficit - pelo menos é esta a firme convicção
não só dos seus integrantes como também dos que se ligam ao partido no
poder.
A situação do indivíduo é bem diversa. Sua capacidade de gerir um
empreendimento deficitário é muito restrita. Se o déficit não for logo
eliminado, (36) e se a empresa não se tomar lucrativa (ou pelo menos dar
mostras de que não está incorrendo em déficits ou prejuízos adicionais), o
indivíduo vai à falência e a empresa acaba.
Já o governo goza de condições diferentes. Pode ir em frente com um déficit,
porque tem o poder de impor tributos à população. E se os contribuintes se
dispuserem a pagar impostos mais elevados para permitir ao governo
administrar uma empresa deficitária - isto é, administrar com menos eficiência
do que o faria uma instituição privada -, ou seja, se o público tolerar esse
prejuízo, então obviamente a empresa se manterá em atividade.
Nos últimos anos, na maioria dos países, procedeu-se à estatização de um
número crescente de instituições e empresas, a tal ponto que os déficits
cresceram muito além do montante possível de ser arrecadado dos cidadãos
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através de impostos. O que acontece nesse caso não é o tema da palestra de
hoje. A conseqüência é a inflação, assunto que devo abordar amanhã.
Mencionei isso apenas porque a economia mista não deve ser confundida com
o problema do intervencionismo, sobre o qual quero falar esta noite.
Que é o intervencionismo? O intervencionismo significa a não-restrição, por
parte do governo, de sua atividade, em relação à preservação da ordem, ou -
como se costumava dizer cem anos atrás - em relação à "produção da
segurança". O intervencionismo revela um governo desejoso de fazer mais.
Desejoso de interferir nos fenômenos de mercado.
Alguém que discorde, afirmando que o governo não deveria intervir nos
negócios, poderá ouvir, com muita freqüência, a seguinte resposta: "Mas o
governo sempre interfere, necessariamente. Se há policiais nas ruas, o governo
está interferindo. Interfere quando um assaltante rouba uma loja ou quando
evita que alguém furte um automóvel”. Mas quando falamos de
intervencionismo, e definimos o significado do termo, referimo-nos à
interferência governamental no mercado. (Que o governo e a polícia se
encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens de (37) negócio e,
evidentemente, seus empregados, contra ataques de bandidos nacionais ou do
exterior, é efetivamente uma expectativa normal e necessária, algo a se esperar
de qualquer governo. Essa proteção não constitui uma intervenção, pois a única
função legitima do governo é, precisamente, produzir segurança.)
Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que
experimenta o governo de fazer mais que impedir assaltos e fraudes. O
intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em proteger o
funcionamento harmonioso da economia de mercado, como também interfere
em vários fenômenos de mercado: interfere nos preços, nos padrões salariais,
nas taxas de juro e de lucro.
O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio
a conduzir suas atividades de maneira diversa da que escolheriam caso
tivessem de obedecer apenas aos consumidores. Assim, todas as medidas de
intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do
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consumidor. O governo quer arrogar a si mesmo o poder - ou pelo menos parte
do poder - que, na economia de mercado livre, pertence aos consumidores.
Consideremos um exemplo de intervencionismo bastante conhecido em
muitos países e experimentado, vezes sem conta, por inúmeros governos,
especialmente em tempos de inflação. Refiro-me ao controle de preços.
Em geral, os governos recorrem ao controle de preços depois de terem
inflacionado a oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar do
decorrente aumento dos preços. Há muitos e famosos exemplos históricos do
fracasso de métodos de controle dos preços, mas mencionarei apenas dois,
porque em ambos os governos foram, de fato, extremamente enérgicos ao
impor, ou tentar impor, seus controles de preço.
O primeiro exemplo famoso é o caso do imperador romano Diocleciano,
notório como o último (38) imperador romano a perseguir os cristãos. Na
segunda metade do século III, os imperadores romanos dispunham de um único
método financeiro: desvalorizar a moeda corrente por meio de sua adulteração.
Nessa época primitiva, anterior à invenção da máquina impressora, até a
inflação era, por assim dizer, primitiva. Envolvia o enfraquecimento do teor da
liga metálica com que se cunhavam as moedas, especialmente as de prata. O
governo misturava à prata quantidades cada vez maiores de cobre, até que a cor
das moedas se alterou e o peso se reduziu consideravelmente. A conseqüência
dessa adulteração das moedas e do aumento associado da quantidade de
dinheiro em circulação foi uma alta dos preços, seguida de um decreto
destinado a controlá-los. E os imperadores romanos não primavam pela
moderação no fazer cumprir suas leis: a morte não lhes parecia uma punição
demasiado severa para quem ousasse cobrar preços mais elevados que os
estipulados. Conseguiram impor o controle de preços, mas foram incapazes de
preservar a sociedade. A conseqüência foi a desintegração do Império Romano
e do sistema da divisão do trabalho.
Quinze séculos mais tarde, a mesma adulteração do dinheiro teve lugar
durante a Revolução Francesa. Mas desta vez utilizou-se um método diferente.
A tecnologia para a produção de dinheiro fora consideravelmente aperfeiçoada.
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Os franceses já não precisavam recorrer à adulteração da liga metálica
empregada na cunhagem das moedas: tinham a máquina impressora. E esta era
extremamente eficiente. Mais uma vez, o resultado foi uma elevação dos
preços sem precedentes. Mas na Revolução Francesa os preços máximos não
foram garantidos através do mesmo método de aplicação da pena capital de que
lançara mão o imperador Diocleciano. Produzira-se um aperfeiçoamento
também na técnica de matar cidadãos. Todos se lembram do famoso doutor J. I.
Guillotin (1738-1814), o inventor da guilhotina. No entanto, apesar da
guilhotina, os franceses também fracassaram com suas leis de preço máximo.
Quando chegou a vez de Robespierre ser conduzido numa carroça (39) rumo à
guilhotina, o povo gritava: "Lá vai o bandido-mor!"
Se menciono este fato é porque é comum ouvir: "O que é preciso para dar
eficácia e eficiência ao controle de preços é apenas maior implacabilidade e
maior energia." Ora, Diocleciano foi indubitavelmente implacável, como
também o foi a Revolução Francesa. Não obstante, as medidas de controle de
preço fracassaram por completo em ambos os casos.
Analisemos agora as razões desse fracasso. O governo ouve as queixas do
povo de que o preço do leite subiu. E o leite é, sem dúvida, muito importante,
sobretudo para a geração em crescimento, para as crianças. Por conseguinte,
estabelece um preço máximo para esse produto, preço máximo que é inferior
ao que seria o preço potencial de mercado. Então o governo diz: "Estamos
certos de que fizemos tudo o que era preciso para permitir aos pobres a compra
de todo o leite de que necessitam para alimentar os filhos."
Mas que acontece? Por um lado, o menor preço do leite provoca o aumento
da demanda do produto; pessoas que não tinham meios de comprá-lo a um
preço mais alto, podem agora fazê-lo ao preço reduzido por decreto oficial. Por
outro lado, parte dos produtores de leite, aqueles que estão produzindo a custos
mais elevados - isto é, os produtores marginais - começam a sofrer prejuízos,
visto que o preço decretado pelo governo é inferior aos custos do produto. Este
é o ponto crucial na economia de mercado.
O empresário privado, o produtor privado, não pode sofrer prejuízo no
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cômputo final de suas atividades. E como não pode ter prejuízos com o leite,
restringe a venda deste produto para o mercado. Pode vender algumas de suas
vacas para o matadouro; pode também, em vez de leite, fabricar e vender
derivados do produto, como coalhada, manteiga ou queijo.
A interferência do governo no preço do leite redunda, pois, em menor
quantidade do produto do que a que havia antes, redução que é concomitante a
uma ampliação da demanda. Algumas pessoas dispostas (40) a pagar o preço
decretado pelo governo não conseguirão comprar leite. Outro efeito é a
precipitação de pessoas ansiosas por chegarem em primeiro lugar às lojas. São
obrigadas a esperar do lado de fora. As longas filas diante das lojas parecem
sempre um fenômeno corriqueiro numa cidade em que o governo tenha
decretado preços máximos para as mercadorias que lhe pareciam importantes.
Foi o que se passou em todos os lugares onde o preço do leite foi controlado.
Por outro lado, isso foi sempre prognosticado pelos economistas - obviamente
apenas pelos economistas sensatos, que, aliás, não são muito numerosos.
Mas qual é a conseqüência do controle governamental de preços? O governo
se frustra. Pretendia aumentar a satisfação dos consumidores de leite, mas na
verdade, descontentou-os. Antes de sua interferência, o leite era caro, mas era
possível comprá-lo. Agora a quantidade disponível é insuficiente. Com isso, o
consumo total se reduz. As crianças passam a tomar menos leite, e chegam a
não mais tomá-lo. A medida a que o governo recorre em seguida é o
racionamento. Mas racionamento significa tão-somente que algumas pessoas
são privilegiadas e conseguem obter leite, enquanto outras ficam sem nenhum.
Quem obtém e quem não obtém é obviamente algo sempre determinado de
forma muito arbitrária. Pode ser estipulado, por exemplo, que crianças com
menos de quatro anos de idade devem tomar leite, e aquelas com mais de
quatro, ou entre quatro e seis, devem receber apenas a metade da ração a que as
menores fazem jus.
Faça o governo o que fizer, permanece o fato de que só há disponível uma
menor quantidade de leite. Conseqüentemente, a população está ainda mais
insatisfeita que antes. O governo pergunta, então, aos produtores de leite
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(porque não tem imaginação suficiente para descobrir por si mesmo): "Por que
não produzem a mesma quantidade que antes?" Obtém a resposta: "É
impossível, uma vez que os custos de produção são superiores ao preço
máximo fixado pelo governo." As autoridades se põem em seguida a estudar
(41) os custos dos vários fatores de produção, vindo a descobrir que um deles é
a forragem. .
"Pois bem", diz o governo, "o mesmo controle que impusemos ao leite,
vamos aplicar agora à forragem. Determinaremos um preço máximo para ela e
os produtores de leite poderão alimentar seu gado a preços mais baixos, com
menor dispêndio. Com isto, tudo se resolverá: os produtores de leite terão
condições de produzir em maior quantidade e venderão mais."
Que acontece nesse caso? Repete-se, com a forragem, a mesma história
acontecida com o leite, e, como é fácil depreender, pelas mesmíssimas razões.
A produção de forragem diminui e as autoridades se vêem novamente diante de
um dilema. Nessas circunstâncias, providenciam novos interlocutores, nó
intuito de descobrir o que há de errado com a produção de forragem. E recebem
dós produtores de forragem uma explicação idêntica à que lhes fora fornecida
pelos produtores de leite. De sorte que o governo é compelido a dar um outro
passo, já que não quer abrir mão do princípio do controle de preços. Determina
preços máximos para os bens de produção necessários à produção de forragem.
E a mesma história, mais uma vez, se desenrola.
Assim, o governo começa a controlar não mais apenas o leite, mas também
os ovos, a carne e outros artigos essenciais. E todas as vezes alcança o mesmo
resultado, por toda parte a conseqüência é a mesma. A partir do momento em
que fixa preços máximos para bens de consumo, vê-se obrigado a recuar no
sentido dos bens de produção, e a limitar os preços dos bens de produção
necessários à elaboração daqueles bens de consumo com preços tabelados. E
assim o governo, que começara com o controle de alguns poucos fatores, recua
cada vez mais em direção à base do processo produtivo, fixando preços
máximos para todas as modalidades de bens de produção, incluindo-se aí,
evidentemente, o preço da mão-de-obra, pois, sem controle salarial, o "controle
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(42) de custos" efetuado pelo governo seria um contra-senso.
Ademais, o governo não tem como limitar sua interferência no mercado
apenas ao que se lhe afigura como bem de primeira necessidade: leite,
manteiga, ovos e carne. Precisa necessariamente incluir os bens de luxo,
porquanto, se não limitasse seus preços, o capital e a mão-de-obra
abandonariam a produção dos artigos de primeira necessidade e acorreriam à
produção dessas mercadorias que o governo reputa supérfluas. Portanto, a
interferência isolada no preço de um ou outro bem de consumo sempre gera
efeitos - e é fundamental compreendê-lo - ainda menos satisfatórios que as
condições que prevaleciam anteriormente: antes da interferência, o leite e os
ovos são caros; depois, começam a sumir do mercado.
O governo considerava esses artigos tão importantes que interferiu; queria
torná-los mais abundantes, ampliar sua oferta. O resultado foi o contrário: a
interferência isolada deu origem a uma situação que - do ponto de vista do
governo - é ainda mais indesejável que a anterior, que se pretendia alterar. E o
governo acabará por chegar a um ponto em que todos os preços, padrões
salariais, taxas de juro, em suma, tudo o que compõe o conjunto do sistema
econômico, é determinado por ele. E isso, obviamente, é socialismo.
O que lhes apresentei aqui, nesta explanação esquemática e teórica, foi
precisamente o que ocorreu nos países que tentaram impor preços máximos,
países cujos governos foram teimosos o bastante para avançarem passo a passo
até a própria derrocada. Foi o que aconteceu, na Primeira Guerra Mundial, com
a Alemanha e a Inglaterra.
Analisemos a situação que existia nos dois países. Ambos experimentavam a
inflação. Como os preços subiam, os dois governos impuseram controles sobre
eles. Tendo começado com apenas alguns preços, nada mais que leite e ovos,
foram forçados a avançar cada vez mais. Mais a guerra se prolongava, maior se
tornava a inflação. E após três anos de guerra, (43) os alemães - de maneira
sistemática, como é de seu estilo - elaboraram um grande plano. Chamaram-no
Plano Hindenburg (naquela época, tudo na Alemanha que parecia bom ao
governo era batizado de Hindenburg.)
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O Plano Hindenburg estabelecia o controle governamental sobre todo o
sistema econômico do pais: preços, salários, lucros..., tudo. E a burocracia
tratou imediatamente de pôr em prática este plano. Mas, antes de conclui-lo,
veio a derrocada: o Império Alemão desintegrou-se, o aparelho burocrático
esfacelou-se, a revolução produziu seus efeitos terríveis - tudo chegou ao fim.
Os fatos, na Inglaterra, inicialmente ocorreram dessa mesma maneira, mas,
depois de algum tempo, na primavera de 1917, os Estados Unidos entraram na
guerra e abasteceram os ingleses com quantidades suficientes de tudo. Dessa
forma, o caminho do socialismo, o caminho da servidão, foi obstado.
Antes da ascensão de Hitler ao poder, o controle de preços foi mais uma vez
introduzido na Alemanha pelo chanceler Brüning, pelas razões de costume. O
próprio Hitler aplicou-o antes mesmo do início da guerra: na Alemanha de
Hitler não havia empresa privada ou iniciativa privada. Na Alemanha de Hitler
havia um sistema de socialismo que só diferia do sistema russo na medida em
que ainda eram mantidos a terminologia e os rótulos do sistema de livre
economia. Ainda existiam "empresas privadas", como eram denominadas. Mas
o proprietário já não era um empresário; chamavam-no "gerente" ou "chefe" de
negócios(Betriebsführer).
Todo o país foi organizado numa hierarquia de führers; havia o Führer
supremo, obviamente Hitler, e em seguida uma longa sucessão de führers, em
ordem decrescente, até os führers do último escalão. E, assim, o dirigente de
uma empresa era o Betriebsführer. O conjunto de seus empregados, os
trabalhadores da empresa, era chamado por uma palavra que, na Idade Média,
designara o séquito de um senhor (44) feudal: o Gefolgschaft. E toda essa gente
tinha de obedecer às ordens expedidas por uma instituição que ostentava o
nome assustadoramente longo de Reichs-führerwirtschaftsministerium, a cuja
frente estava o conhecido gorducho Göring, enfeitado de jóias e medalhas.
E era desse corpo de ministros de nome tão comprido que emanavam todas
as ordens para todas as empresas: o que produzir, em que quantidade, onde
comprar matérias-primas e quanto pagar por elas, a quem vender os produtos e
a que preço. Os trabalhadores eram designados para determinadas fábricas e
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recebiam salários decretados pelo governo. Todo o sistema econômico era
agora regulado, em seus mínimos detalhes, pelo governo.
O Betriebsführer não tinha o direito de se apossar dos lucros; recebia o
equivalente a um salário e, se quissesse receber uma soma maior, diria, por
exemplo: "Estou muito doente, preciso me submeter a uma operação
imediatamente, e isso custará quinhentos marcos." Nesse caso, era obrigado a
consultar o führer do distrito (o Gauführer ou Gualelter), que o autorizaria - ou
não - a fazer uma retirada superior ao salário que lhe era destinado. Os preços
já não eram preços, os salários já não eram salários - não passavam de
expressões quantitativas num sistema de socialismo.
Permitam-me agora contar-lhes como esse sistema entrou em colapso. Um
dia, após anos de combate, os exércitos estrangeiros chegaram à Alemanha.
Procuraram conservar esse sistema econômico de direção governamental; mas
para isso teria sido necessária a brutalidade de Hitler. Sem ela, o sistema não
funcionou.
Enquanto isso acontecia na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, a
Grã-Bretanha fazia exatamente a mesma coisa: a partir do controle do preço de
algumas mercadorias, o governo britânico começou, passo a passo (assim como
Hitler procedera em tempo de paz, antes mesmo de deflagrada a guerra), a
controlar cada vez mais a economia, até que, por (45) ocasião do término da
guerra, tinham chegado a algo muito próximo do puro socialismo.
A Grã-Bretanha não foi conduzida ao socialismo pelo governo do Partido
Trabalhista, estabelecido em 1945. Ela se tornou socialista durante a guerra, ao
longo do governo que tinha à frente, como primeiro-ministro, Sir Winston
Churchill. O governo trabalhista simplesmente manteve o sistema de
socialismo já introduzido pelo governo de Sir Winston Churchill. E isso a
despeito da grande resistência do povo.
A estatizações efetuadas na Grã-Bretanha não tiveram grande significado. A
estatização do Banco da Inglaterra foi inócua visto que essa instituição
financeira já estava sob completo controle governamental. E o mesmo se deu
com a estatização das estradas de ferro e da indústria do aço. O "socialismo de
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guerra", como era chamado - denotando o sistema de intervencionismo
implantando passo a passo - já estatizara praticamente todo o sistema.
A diferença entre o sistema alemão e o britânico não foi significativa,
porquanto seus gestores tinham sido designados pelo governo e, em ambos os
casos, eram obrigados a cumprir as ordens do governo em todos os detalhes.
Como eu disse antes, o sistema dos nazistas alemães conservou os rótulos e
termos da economia capitalista de livre mercado. Mas essas expressões
adquiriram um significado muito diverso: já não passavam agora de decretos
governamentais.
Isto também se aplica ao sistema britânico. Quando o Partido Conservador
foi reconduzido ao poder, alguns desses controles foram suprimidos. Temos
hoje na Grã-Bretanha tentativas, por um lado, de conservar os controles e, por
outro, de aboli-los. (Mas não se deve esquecer que as condições existentes na
Inglaterra são muito diferentes das que prevalecem na Rússia.) O mesmo se
passou em outros países que, por dependerem da importação de alimentos e de
matérias-primas, foram obrigados a exportar bens manufaturados. Em países
profundamente dependente (46) do comércio de exportações, um sistema de
controle governamental simplesmente não funciona.
Assim, a subsistência de alguma liberdade econômica (e ainda existe uma
substancial liberdade em países como a Noruega, a Inglaterra, a Suécia) é fruto
da necessidade de preservar o comércio de exportação. Aliás, se escolhi
anteriormente o exemplo do leite, não foi por ter alguma predileção especial
pelo produto, mas porque praticamente todos os governos - ou sua grande
maioria - regulamentaram, nas últimas décadas, os preços do leite, dos ovos ou
da manteiga.
Quero lembrar, em poucas palavras, um outro exemplo, o do controle do
aluguel. Uma das conseqüências do controle dos aluguéis por parte do governo
é que pessoas que teriam - por causa de alterações na situação familiar - de
mudar de apartamentos maiores para outros menores, já não o fazem.
Considere-se, por exemplo, um casal cujos filhos saíram de casa em outras
cidades. Casais como este tendiam a se mudar, passando a habitar apartamentos
47
menores e mais baratos. Com a imposição do controle sobre os aluguéis, essa
necessidade desaparece.
Em Viena, no começo da década de 20, o controle do aluguel estava
firmemente estabelecido. Assim, a quantia que um locador recebia por um
apartamento de dimensões médias, submetido a controle de aluguel, não
excedia o dobro do preço de uma passagem de bonde - sistema de transporte
pertencente à municipalidade. Pode-se imaginar que não se tinha incentivo
algum para mudar de apartamento. E, por outro lado, não se construíam novas
casas. Condições semelhantes prevaleceram nos Estados Unidos após a
Segunda Guerra Mundial e perduram até hoje em muitas cidades americanas.
Uma das principais razões por que multas cidades nos Estados Unidos se
encontram em enorme dificuldade financeira reside na adoção do controle
sobre os aluguéis, com a decorrente escassez de moradias. Ela se produziu
pelas mesmas razões que acarretaram a escassez do leite quando seu preço foi
controlado. (47) Isto significa: sempre que se interfere no mercado, o governo
é progressivamente impelido ao socialismo.
E esta é a resposta aos que dizem: "Não somos socialistas, não queremos que
o governo controle tudo. Mas por que não poderia ele interferir um pouco no
mercado? Por que não poderia abolir determinadas coisas que nos
desagradam?"
Essas pessoas falam de uma política de "meio-termo". O que não se percebe
é que a interferência isolada, isto é, a interferência num único pequeno detalhe
do sistema econômico, produz uma situação que ao próprio governo - e àqueles
que estão reivindicando a sua interferência - parecerá pior que aquelas
condições que se pretendia abolir: os que propunham o controle dos aluguéis
ficam irritados ao se darem conta da escassez de apartamentos e moradias em
geral.
Mas essa escassez de moradias foi gerada precisamente pela interferência do
governo, pela fixação dos aluguéis num padrão inferior ao que se iria pagar
num sistema de livre mercado.
A idéia de que existe, entre o socialismo e o capitalismo, um terceiro
48
sistema - como o chamam seus defensores -, o qual, sendo equidistante do
socialismo e do capitalismo, conservaria as vantagens e evitaria as
desvantagens de um e de outro, é puro contra-senso. Os que acreditam na
existência possível desse sistema mítico podem chegar a ser realmente líricos
quando tecem loas ao intervencionismo. Só o que se pode dizer é que estão
equivocados. A interferência governamental que exaltam dá lugar a situações
que desagradariam a eles mesmos.
Uma das questões que abordarei mais tarde é a do protecionismo: o governo
procura isolar o mercado interno do mercado mundial. Introduz tarifas que
elevam o preço interno da mercadoria acima do preço em que é cotada no
mercado mundial, o que possibilita aos produtores nacionais a formação de
cartéis. Logo em seguida, o mesmo governo investe (48) contra os cartéis,
declarando: "Nestas condições, impõe-se uma legislação anticartel."
Foi precisamente esse o procedimento da maioria dos governos europeus.
Nos Estados Unidos, somam-se a isso razões adicionais para a legislação
antitruste e para a campanha governamental contra o fantasma do monopólio.
É absurdo ver o governo - que gera, por meio do próprio intervencionismo,
as condições que possibilitam a emergência de cartéis nacionais - voltar-se
contra o meio empresarial, dizendo: "Há cartéis, portanto é necessária a
interferência do governo nos negócios." Seria muito mais simples evitar a
formação de cartéis sustando a interferência governamental no mercado -
interferência esta que vem a gerar as possibilidades de formação desses cartéis.
A idéia da interferência governamental como "solução" para problemas
econômicos dá margem, em todos os países, a circunstâncias no mínimo
extremamente insatisfatórias e, com freqüência, caóticas. Se não for detida a
tempo, o governo acabará por implantar o socialismo.
Não obstante, a interferência do governo nos negócios continua a gozar de
grande aceitação. Mal acontece no mundo algo que desagrada às pessoas é
comum ouvir-se o comentário: "O governo precisa fazer alguma coisa a
respeito. Para que temos governo? O governo deveria fazer isso. " Temos aqui
um vestígio característico do modo de pensar de épocas passadas, de eras
49
anteriores à liberdade moderna, ao governo constitucional moderno, anteriores
ao governo representativo ou ao republicanismo moderno.
Ao longo de séculos, manteve-se a doutrina - afirmada e acatada por todos -
de que um rei, um rei ungido, era o mensageiro de Deus; era mais sábio que os
seus súditos e possuía poderes sobrenaturais. Até princípios do século XIX,
pessoas que sofriam certas doenças esperavam ser curadas pelo simples toque
da mão do rei. Os médicos costumavam ser mais eficazes: mesmo assim,
permitiam aos seus pacientes experimentar o rei. (49)
Essa doutrina da superioridade de um governo paterna1 e dos poderes sobrehumanos
dos reis hereditários extinguiu-se gradativamente - ou, pelo menos,
assim imaginávamos. Mas ela ressurgiu. O professor alemão Werner Sombart
(a quem conheci muito bem), homem de renome mundial, foi doutor honoris
causa de várias universidades e membro honorário da American Economic
Association. Esse professor escreveu um livro que tem tradução para o inglês -
publicada pela Princeton University Press -, para o francês e provavelmente
também para o espanhol. Ou melhor, espero que tenha, para que todos possam
conferir o que vou dizer. Nesse livro, publicado não nas "trevas" da Idade
Média, mas no nosso século, esse professor de economia diz simplesmente o
seguinte: "O Führer, nosso Führer" - refere-se, é claro, a Hitler - "recebe
instruções diretamente de Deus, o Führer do universo."
Já me referi antes a essa hierarquia de führers e nela situei Hitler como o
"Führer Supremo"... Mas, ao que nos informa Werner Sombart, há um Führer
em posição ainda mais elevada. Deus, o Führer do universo. E Deus, escreve
ele, transmite suas instruções diretamente a Hitler. naturalmente, o professor
Sombart não deixou de acrescentar, com muita modéstia: "não sabemos como
Deus se comunica com o Führer. Mas o fato não pode ser negado."
Ora, se ficamos sabendo que semelhante livro pôde ser publicado em alemão
- a língua de um pais outrora exaltado como "a nação dos filósofos e dos
poetas" -, e o vemos traduzido em inglês e francês, já não nos espantará que
mesmo um pequeno burocrata venha, um dia, a se considerar mais sábio e
melhor que os demais cidadãos, e deseje interferir em tudo, ainda que ele não
50
passe de um reles burocratazinho, em nada comparável ao famoso professor
Werner Sombart, membro honorário de tudo quanto é entidade.
Haveria um remédio contra tudo isso? Eu diria que sim. Há um remédio. E
esse remédio é a força dos cidadãos: cabe-lhes impedir a implantação de um
(50)
regime tão autoritário que se abrogue uma sabedoria superior à do cidadão
comum. Esta é a diferença fundamental entre a liberdade e a servidão.
As nações socialistas atribuíram a si mesmas a designação de democracia.
Os russos chamam seu sistema de Democracia Popular; provavelmente
sustentam que o povo está representado na pessoa do ditador. Penso que aqui,
na Argentina, um ditador recebeu a resposta que merecia. Esperamos que
outros ditadores, em outras nações, recebam resposta semelhante. (51)
51