O MAL DE PORTUGAL CHAMA-SE SOCIALISMO

A doença de que padecemos tem um nome: EXCESSO DE ESTADO, ou numa palavra: SOCIALISMO

terça-feira, abril 29

Mises revisitado: sobre a Inflação

QUARTA LIÇÃO

A INFLAÇÃO

Se a oferta de caviar fosse tão abundante quanto a de batatas, o preço do
caviar - isto é, a relação de troca entre caviar e dinheiro, ou entre caviar e
outras mercadorias - se alteraria consideravelmente. Nesse caso, seria possível
adquiri-lo a um preço muito menor que o exigido hoje. Da mesma maneira, se a
quantidade de dinheiro aumenta, o poder de compra da unidade monetária
diminui, e a quantidade de bens que pode ser adquirida com uma unidade desse
dinheiro também se reduz.
Quando, no século XVI, as reservas de ouro e prata da América foram
descobertas e exploradas, enormes quantidades desses metais preciosos foram
transportadas para a Europa. A conseqüência desse aumento da quantidade de
moeda foi uma tendência geral à elevação dos preços. Do mesmo modo,
quando, em nossos dias, um governo aumenta a quantidade de papel-moeda, a
conseqüência é a queda progressiva do poder de compra da unidade monetária
e a correspondente elevação dos preços. A isso se chama de inflação.
Infelizmente, nos Estados Unidos, bem como em outros países, alguns
preferem ver a causa da inflação não no aumento da quantidade de dinheiro,
mas na elevação dos preços.
Entretanto, nunca se apresentou qualquer contestação séria à interpretação
econômica da (52) relação entre os preços e a quantidade de dinheiro, ou da
relação de troca entre a moeda e outros bens, mercadorias e serviços. Nas
condições tecnológicas atuais, nada é mais fácil que fabricar pedaços de papel e
Imprimir sobre eles determinados valores monetários. Nos Estados Unidos,
onde todas as notas têm o mesmo tamanho, imprimir uma nota de mil dólares
não custa mais ao governo que imprimir uma de um dólar. Trata-se
exclusivamente de um processo de impressão, a exigir, nos dois casos,
idênticas quantidades de papel e de tinta.
No século XVIII, quando se fizeram as primeiras tentativas de emitir cédulas
bancárias e atribuir-lhes a qualidade de moeda corrente - isto é, o direito de
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serem honradas em transações de troca do mesmo modo que as moedas de ouro
e prata -, os governos e as nações acreditavam que os banqueiros detinham
algum conhecimento secreto que lhes permitia produzir riqueza a partir do
nada. Quando os governos do século XVIII se viam em dificuldades
financeiras, julgavam ser suficiente, para delas se livrarem, entregar a um
banqueiro engenhoso a condução de sua administração financeira.
Alguns anos antes da Revolução Francesa, quando a realeza da França
atravessava problemas financeiros, o rei da França procurou um desses
banqueiros engenhosos e nomeou-o para uma função importante. Esse homem
era, sob todos os aspectos, o oposto das pessoas que vinham regendo a nação
até aquele momento. Para começar, não era francês, era um estrangeiro - um
genovês. Em segundo lugar, não pertencia à aristocracia, era um simples
plebeu. E, o que contava mais ainda na França do século XVIII, não era
católico, e sim protestante. E assim Monsieur Necker, pai da famosa Madame
de Staël, tornou-se o ministro das finanças, e todos esperavam que resolvesse
os problemas financeiros do país. Mas, a despeito do elevado grau de confiança
desfrutado por Monsieur Necker, os cofres reais permaneceram vazios. O
grande erro de Decker consistiu na tentativa de prestar auxilio financeiro aos
colonos (53) da América em sua guerra de independência contra a Inglaterra
sem elevar os impostos. Aquela era certamente uma maneira errada de procurar
resolver os problemas financeiros da França.
Não há nenhuma maneira secreta para a solução dos problemas financeiros
de um governo: se este precisa de dinheiro, tem de obtê-lo impondo tributos
aos seus cidadãos (ou, em circunstâncias especiais, tomando-o emprestado de
pessoas que têm dinheiro). Mas muitos governos, podemos mesmo dizer a
maioria deles, julga haver um outro método para obter o dinheiro necessário,
qual seja, o de simplesmente imprimi-lo.
Se deseja fazer algo benéfico - construir um hospital, por exemplo -, o meio
de que o governo dispõe para arrecadar o dinheiro necessário é cobrar tributos
dos cidadãos e construir o hospital com a receita assim constituída. Nesse caso,
não ocorrerá nenhuma "revolução dos preços", porque, quando o governo
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arrecada dinheiro para a construção do hospital, os cidadãos - onerados por
esse tributo adicional - são obrigados a reduzir seus gastos. O contribuinte
individual é forçado a reduzir ou o seu consumo, ou os seus investimentos, ou a
sua poupança. Quando se apresenta no mercado como um comprador, o
governo substitui o cidadão: este passa a comprar menos. Mas isto se dá porque
o governo está comprando mais. Evidentemente, o governo não compra
exatamente os mesmos bens que os cidadãos comprariam; em média, no
entanto, não se verifica nenhuma elevação de preços em decorrência da
construção do hospital pelo governo.
Escolho o exemplo de um hospital precisamente porque é comum ouvir
dizer: "Faz diferença se o governo usa seu dinheiro para bons ou maus
propósitos." Proponho fazermos de conta que o governo sempre usa o dinheiro
que emitiu para os melhores fins - fins com que todos concordamos. Acontece
que não é o modo como o dinheiro é gasto, é antes o modo como é obtido pelo
governo que dá lugar a essa conseqüência (54) que chamamos de inflação, e
que hoje quase ninguém, no mundo todo, considera benéfica.
Por exemplo, o governo poderia, sem fomentar a inflação, usar o dinheiro
arrecadado através de impostos para contratar novos funcionários, ou para
elevar os salários dos que já estão a seu serviço. Esses funcionários, tendo tido
um aumento em seus salários, passam, então, a poder comprar mais. Quando o
governo cobra impostos dos cidadãos e aplica essa soma no aumento do salário
de seu pessoal, os contribuintes passam a ter menos o que gastar, mas os
funcionários públicos passam a ter mais: os preços em geral não subirão.
Mas, se o governo não busca, para esse fim, receita proveniente de impostos,
se, ao contrário, recorre a dinheiro recém-impresso, conseqüentemente,
algumas pessoas começam a ter mais dinheiro, enquanto todas as demais
continuam a ter o mesmo que antes. Assim, as que receberam o dinheiro
recém-impresso vão competir com aquelas que eram compradoras
anteriormente. E uma vez que não há maior número de mercadorias que antes,
mas há mais dinheiro no mercado - e uma vez que há pessoas que podem agora
comprar mais do que ontem - haverá uma demanda adicional para uma
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quantidade inalterada de bens. Conseqüentemente, os preços tenderão a subir.
Isso não pode ser evitado, seja qual for o uso que se faça do dinheiro recémemitido.
Mas há algo ainda mais importante. Essa tendência de elevação dos preços
se estabelecerá passo a passo, uma vez que não se trata de um movimento
ascendente geral desse tão falado "nível dos preços". Esta expressão metafórica
nunca deveria ser usada.
Quando se fala de "nível dos preços", a imagem que as pessoas formam
mentalmente é a de um liquido que sobe ou desce, segundo o aumento ou a
redução de sua quantidade, mas que, como um liquido num reservatório, elevase
sempre por igual. Mas, no caso dos preços, nada há que se assemelhe a
"nível". Os preços não se alteram na mesma medida e (55) ao mesmo tempo.
Há sempre preços que mudam mais rapidamente, caem ou sobem mais
depressa que outros. E há uma razão para isso.
Considerem o caso do funcionário público que recebeu parte do novo
dinheiro acrescentado à oferta de dinheiro. As pessoas não compram num
mesmo dia precisamente as mesmas mercadorias e nas mesmas quantidades. O
dinheiro suplementar que o governo imprimiu e introduziu no mercado não é
usado na compra de todas as mercadorias e serviços. É usado na aquisição de
certas mercadorias, cujos preços subirão, ao passo que outras continuarão ainda
com os preços de antes da introdução do novo dinheiro no mercado. De sorte
que, quando a inflação começa, diferentes grupos da população são por ela
afetados de diferentes maneiras. Os grupos que recebem o novo dinheiro em
primeiro lugar ganham uma vantagem temporal.
O governo, quando emite dinheiro para custear uma guerra, tem de comprar
munições. Os primeiros a receber o dinheiro adicional são, então, as indústrias
de munição e os que nelas trabalham. Esses grupos passam a ocupar uma
posição privilegiada. Auferem maiores lucros e ganham maiores salários: seus
negócios prosperam. Por quê? Forque foram os primeiros a receber o dinheiro
adicional. E, tendo agora mais dinheiro à sua disposição, estão comprando
mais. E compram de outras pessoas, que fabricam e vendem as mercadorias
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que lhes interessam.
Estas outras pessoas constituem um segundo grupo. E este segundo grupo
considera a inflação muito benéfica para seus negócios. Por que não? Não é
esplêndido vender mais? E o proprietário de um restaurante situado nas
vizinhanças de uma fábrica de munições, por exemplo, diz: "é realmente
maravilhoso! Os trabalhadores do setor de munições estão com mais dinheiro;
estão freqüentando meu estabelecimento como nunca; estão todos prestigiando
meu restaurante; isto me deixa muito feliz." Não vê razão alguma para se sentir
de outro modo. (56)
A situação é a seguinte: aqueles para quem o dinheiro chega em primeiro
lugar têm sua renda aumentada e podem continuar comprando muitas
mercadorias e serviços a preços que correspondem ao estado anterior do
mercado, à situação vigente às vésperas da Inflação. Encontram-se, portanto,
em situação privilegiada. E assim a inflação se expande, passo a passo, de um
grupo para outro da população. E todos os que têm acesso ao dinheiro adicional
na primeira hora da Inflação são beneficiados, uma vez que estão comprando
alguns artigos a preços ainda correspondentes ao estágio prévio da relação de
troca entre dinheiro e mercadorias.
Mas há outros grupos da população para quem esse dinheiro chega
muitíssimo mais tarde. Essas pessoas se vêem numa situação desfavorável.
Antes de terem acesso ao dinheiro adicional, são obrigadas a pagar preços mais
altos que os anteriores por algumas mercadorias que desejam adquirir (ou
praticamente todas), ao passo que sua renda permanece a mesma, ou não
aumenta na mesma proporção dos preços.
Considere-se, por exemplo, um pais como os Estados Unidos durante a
Segunda Guerra Mundial: por um lado, a inflação desse período favoreceu os
trabalhadores das fábricas de munição, as fábricas de munição e os fabricantes
de armamentos; por outro lado, prejudicou certos grupos da população. E os
maiores prejudicados foram os professores e os religiosos.
Como todos sabem, um sacerdote é pessoa de muita humildade, que está a
serviço de Deus e não deve falar demais em dinheiro. Analogamente, os
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professores são pessoas dedicadas, de quem se espera maior preocupação com
a educação dos jovens que com os próprios salários. Por conseguinte, os
professores e os religiosos estiveram entre os grupos mais penalizados pela
inflação, visto que as várias escolas e igrejas foram as últimas instituições a se
darem conta da necessidade de elevar os salários. Quando os dignitários
eclesiásticos e as associações escolares finalmente (57) chegaram à conclusão
de que era preciso aumentar também os salários dessa gente dedicada, as
perdas que tinham sofrido até então já não podiam ser reparadas.
Por muito tempo, eles tinham sido obrigados a comprar menos que antes, a
reduzir seu consumo de alimentos melhores e mais caros, a restringir sua
compra de roupas - já que os preços tinham sido reajustados, enquanto sua
renda, seus salários, ainda não tinham sido aumentados. (Esta situação foi
consideravelmente alterada, ao menos no que diz respeito aos professores).
A cada momento, portanto, são diferentes os grupos da população que estão
sendo diretamente afetados pela inflação. Para alguns deles, a inflação não é
tão má assim, e eles chegam até a defender seu prolongamento, visto serem os
primeiros a dela se beneficiarem. Veremos na próxima palestra como essa
disparidade de conseqüências afeta vitalmente a política que conduz à inflação.
Subjacente a todas as modificações produzidas pela inflação, está o fato de
que, além de haver grupos que são por ela favorecidos, há outros que a
exploram diretamente. A palavra "explorar" não pretende refletir uma censura a
essas pessoas, pois só o governo e ninguém mais pode ser considerado culpado
e responsável pelo estabelecimento da inflação. Sempre há, sem dúvida,
pessoas que percebem o que está ocorrendo mais cedo que as demais e, então,
promovem a inflação. Seus lucros excepcionais decorrem do fato de que haverá
sempre desigualdade no processo inflacionário.
O governo pode considerar que, como método de arrecadar fundos, a
inflação é melhor que a tributação: esta é sempre impopular e de difícil
execução. Em muitas nações grandes e ricas, os legisladores muitas vezes
discutiram, por meses a fio, várias modalidades de novos impostos, tornados
necessários em decorrência de um aumento de gastos decidido pelo
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parlamento. Após discutir inúmeros métodos de angariar dinheiro por meio da
tributação, finalmente (58) chegaram à conclusão de que talvez o melhor fosse
obtê-lo através da inflação.
É evidente que a palavra "inflação" não era pronunciada. Um político no
poder, ao recorrer à inflação, não declara: "Vou adotar a inflação como
método." Os procedimentos técnicos empregados na produção da inflação são
tão complexos, que o cidadão comum não percebe onde ela teve inicio.
Uma das maiores inflações da história, a que teve lugar no Reich alemão
após a Primeira Guerra Mundial, não teve seu pico durante a guerra. Foram os
níveis a que chegou no pós-guerra que ocasionaram a catástrofe. O governo
não anunciou: "Vamos lançar mão da inflação." Simplesmente tomou dinheiro
emprestado, indiretamente, do Banco Central. Não lhe competia perguntar
como o Banco Central reuniria e liberaria aquela soma. E o Banco Central
simplesmente imprimiu-a.
Hoje, as técnicas de produção da inflação têm como complicadores a
existência da moeda fiduciária. Isso envolve uma outra técnica, mas o efeito é o
mesmo. Com uma penada, o governo cria papel-moeda sem lastro, aumentando
assim o volume de moeda e de crédito. Basta-lhe emitir a ordem, e lá está o
dinheiro sem lastro.
O governo não se aflige diante do fato de que algumas pessoas sofrerão
perdas; a iminente elevação dos preços não o perturba. Os legisladores
proclamam: "Esse sistema é magnífico!" Mas esse magnífico sistema tem um
defeito básico: dura pouco. Se a inflação pudesse perdurar indefinidamente,
não haveria por que criticar os governos por promoverem-na, Mas o único fato
bem estabelecido acerca desse fenômeno é que, mais cedo ou mais tarde, ele
chega inevitavelmente ao fim.
Em última instância, a inflação se encerra com o colapso do meio circulante
- dando lugar a uma catástrofe, a uma situação como a ocorrida na Alemanha
em 1923. Em 1.° de agosto de 1914, o dólar correspondia a quatro marcos e
vinte pfennigs. Nove anos e três meses depois, em novembro de 1923, a (59)
mesma moeda estava cotada em 4,2 trilhões de marcos. Em outras palavras, o
58
marco já não valia coisa alguma. Já não tinha nenhum valor.
Alguns anos atrás, um famoso autor escreveu: "No final das contas,
estaremos todos mortos." Lamento confirmar que é a pura verdade. Mas a
questão é: quanto durará o momento presente? No século XVIII, houve uma
famosa senhora, Madame de Pompadour, a quem se atribuí o seguinte dito:
"Après nous, le dèluge" ("Depois de nós, o dilúvio"). Madame de Pompadour
teve a felicidade de morrer pouco tempo depois. Mas sua "sucessora", Madame
du Barry, sobreviveu um pouco mais, para, no final das contas, ser decapitada.
Para muitos o "final das contas" logo se converte no presente - e quanto mais a
inflação avança, mais se antecipa o "final das contas".
Quanto pode durar o pouco mais? Por quanto tempo pode um banco central
levar à frente um processo inflacionário? Provavelmente poderá fazê-lo
enquanto o povo estiver convencido de que o governo, mais cedo ou mais tarde
- mas certamente não demasiado tarde - sustará a impressão de dinheiro,
detendo, assim, o decréscimo do valor de cada unidade monetária.
O povo, quando deixa de acreditar que o governo será capaz de deter a
inflação, ou mesmo que ele tenha qualquer intenção de detê-la, começa a se dar
conta de que os preços amanhã serão mais altos que hoje. As pessoas põem-se,
então, a comprar a quaisquer preços, provocando uma alta em níveis tais que o
sistema monetário entra em colapso.
Tomemos o caso da Alemanha, que o mundo inteiro testemunhou. Muitos
livros descreveram os acontecimentos daquele período. (Embora sendo
austríaco, e não alemão, vi tudo de dentro: a situação da Áustria não diferia
muito da alemã, e tampouco eram diferentes as condições de muitos outros
países europeus.) Durante muitos anos, o povo alemão acreditou que sua
inflação não passava de uma situação provisória, que logo chegaria ao fim.
Acreditou nisso por nove anos, até o verão de 1923. Então, finalmente, (60) as
pessoas começaram a duvidar. Como a inflação continuava, a população julgou
mais sensato comprar txudo que estivesse à venda, em vez de guardar o
dinheiro no bolso. Ademais, as pessoas raciocinavam que não era conveniente
emprestar dinheiro, ser credor. Em contrapartida, era excelente negócio tomar
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dinheiro emprestado, ser devedor. Assim, a inflação continuou a se alimentar
de si mesma.
A inflação prosseguiu na Alemanha até, precisamente, o dia 28 de agosto de
1923. O povo acreditara que o dinheiro inflacionário era dinheiro verdadeiro,
mas descobriu, então, que as condições tinham mudado. No outono de 1923, as
fábricas do pais pagavam aos seus trabalhadores, cada manhã, uma diária
antecipada. E o trabalhador, que se fazia acompanhar pela mulher até a fábrica,
passava-lhe imediatamente seu ganho, todos os milhões que acabara de receber.
A mulher, então, dirigia-se prontamente a uma loja, para comprar fosse o que
fosse. Ela constatava o que, na época, a maioria da população sabia: o marco
perdia, da noite para o dia, 50% de seu poder de compra. O dinheiro derretia-se
nos bolsos do povo, como uma barra de chocolate sobre um forno quente. Essa
fase final da inflação alemã não durou muito; depois de alguns dias, todo o
pesadelo se encerrara: o marco perdera todo valor e foi preciso estabelecer uma
nova moeda.
Lord Keynes, o mesmo homem que disse que no final das contas estaremos
todos mortos, foi um representante do extenso rol de autores Inflacionistas do
século XX. Todos combateram o padrão-ouro. Ao atacá-lo, Keynes chamou-o
de "relíquia bárbara". Mesmo hoje, a grande maioria das pessoas considera
ridículo falar de um retorno ao padrão-ouro. Nos Estados Unidos, por exemplo,
poderemos ser considerados como visionários se dissermos: "Mais cedo ou
mais tarde, os Estados Unidos terão de retornar ao padrão-ouro."
No entanto, o padrão-ouro tem uma extraordinária virtude: na sua vigência, a
quantidade de dinheiro disponível é independente das políticas (61)
governamentais e dos partidos políticos. Essa é a sua vantagem. Constitui uma
forma de proteção contra governos esbanjadores. Sob o padrão-ouro, se um
governo resolve fazer gastos em um novo empreendimento, o ministro das
finanças pode perguntar: "E onde vou conseguir o dinheiro? Diga-me, primeiro,
onde encontrarei dinheiro para esse gasto adicional." Num sistema
inflacionário, nada é mais simples para os políticos que ordenar ao órgão
governamental encarregado da impressão do papel-moeda a emissão de quanto
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dinheiro lhes seja necessário para seus projetos. O padrão-ouro é muito mais
propício a um governo financeiramente seguro: seus titulares podem dizer ao
povo e aos políticos: "Não podemos fazer tal coisa, salvo se aumentarmos os
impostos."
Sob condições inflacionárias, o povo se habitua a considerar o governo uma
instituição que tem recursos ilimitados à sua disposição: o Estado, o governo,
podem tudo. Se, por exemplo, a nação deseja um novo sistema de rodovias,
espera-se do governo sua implantação. Mas onde poderá o governo obter o
dinheiro?
Pode-se dizer que hoje, nos Estados Unidos - e mesmo no passado, no
governo McKinley -, o Partido Republicano é relativamente favorável ao
dinheiro lastreado e ao padrão-ouro, enquanto o Partido Democrático é
favorável à inflação. Obviamente, a uma inflação não de papel, e sim de prata.
Contudo, foi um presidente democrata dos Estados Unidos, o presidente
Cleveland que, em fins da década de 1880, vetou uma decisão do Congresso de
conceder unia pequena soma de auxílio - cerca de dez mil dólares - a uma
comunidade que sofrera uma catástrofe. Esse presidente justificou seu veto
escrevendo as seguintes palavras: "É dever do cidadão manter o governo, mas
não é dever do governo manter os cidadãos." Estas são palavras que todo
estadista deveria escrever numa parede de seu gabinete, para mostrar aos que
viessem pedir dinheiro. (62)
Sinto-me bastante embaraçado diante da necessidade de simplificar esses
problemas. São tantos e tão complexos os problemas envolvidos no sistema
monetário! E eu certamente não teria escrito volumes inteiros a respeito deles
se eles fossem tão simples quanto parecem sê-lo aqui. Mas os fundamentos são
precisamente estes: aumentando-se a quantidade de dinheiro, provoca-se o
rebaixamento do poder de compra da unidade monetária. É isso que desagrada
àqueles cujos negócios privados são desfavoravelmente afetados por essa
situação. São os que não se beneficiam da inflação que dela se queixam.
Se a inflação é má, e se todos sabem disso, por que se teria convertido numa
61
espécie de estilo de vida em quase todos os países? Mesmo alguns dos paises
mais ricos sofrem da doença. Os Estados Unidos são hoje seguramente a mais
rica nação do mundo, com o mais alto padrão de vida. Mas, quando se viaja
pelo pais, constata-se uma incessante referência à inflação e à necessidade de
detê-la. Mas apenas se fala; não se age.
Cabe, aqui, a apresentação de alguns fatos: após a Primeira Guerra Mundial,
a Grã-Bretanha restabeleceu a equivalência entre o ouro e a libra, numa
correspondência que vigorava antes da guerra. Isto é, elevou o valor da libra.
Com isso, elevou-se o poder de compra dos salários de todos os trabalhadores.
Num mercado desobstruído, tal alteração teria acarretado uma queda do salário
nominal em dinheiro. Esta queda, por sua vez, teria compensado a alteração.
Como resultado final, o salário real dos trabalhadores teria permanecido
inalterado. Não temos tempo para discutir agora as razões disso. O fato é que
os sindicatos da Grã-Bretanha não admitiram um ajustamento dos padrões
salariais ao poder de compra mais elevado da unidade monetária; assim sendo,
os salários reais foram consideravelmente acrescidos em decorrência daquela
medida monetária. Isso representou uma verdadeira catástrofe para a Inglaterra,
uma vez que a Grã-Bretanha é um pais predominantemente industrial,
obrigado, por um lado, a importar matérias-primas, (63) produtos semiacabados
e alimentos para sobreviver, e, por outro, a exportar bens
manufaturados para pagar essas importações. Com a elevação do valor
internacional da libra, os preços dos produtos ingleses subiram nos mercados
externos, causando um declínio das vendas e exportações. Na verdade, para
todos os efeitos, o que a Grã-Bretanha fez foi fixar os próprios preços à revelia
do mercado mundial.
Foi impossível derrotar os sindicatos. É sabido o poder que, hoje, tem um
sindicato. Assiste-lhe o direito - praticamente o privilégio - do recurso à
violência. E a determinação de um sindicato tem portanto, ousemos dizê-lo,
força equivalente à de um decreto governamental. O decreto governamental é
uma ordem para cuja aplicação o aparelho governamental - a policia - está
pronta. É preciso obedecer-lhe, ou se terá problemas com a policia.
62
Lamentavelmente temos hoje, em quase todos os países do mundo, um
segundo poder, depois do governo, com condições para exercer a força: são os
sindicatos trabalhistas. Essas entidades determinam os salários, bem como as
greves que os devem impor, da mesma maneira que o governo poderia decretar
um salário mínimo. Hão discutirei o sindicato agora; tratarei dele mais tarde.
Quero apenas deixar claro que a política sindical consiste em elevar os padrões
salariais acima do nível que estes alcançariam num mercado desobstruído. Em
conseqüência disso, uma parte considerável da população potencialmente ativa
só pode ser empregada por pessoas físicas ou por indústrias que tenham
condições de suportar prejuízos. E uma vez que os negócios não têm como se
manter sob a sangria de prejuízos, eles fecham as portas e seus trabalhadores
perdem o emprego. A fixação de padrões salariais superiores aos que se
estabeleceriam num mercado desimpedido redunda inevitavelmente no
desemprego de parcela ponderável da população ativa.
Na Grã-Bretanha, a imposição de altos padrões salariais pelos sindicatos
trabalhistas teve como conseqüência um desemprego prolongado, que (64)
durou anos a fio. Milhões de trabalhadores ficaram desempregados, os índices
de produção caíram. Até os experts ficaram perplexos. Diante deste quadro, o
governo inglês deu um passo que se lhe afigurou como uma medida de
emergência indispensável: desvalorizou a moeda corrente do pais.
O poder de compra dos salários em dinheiro - em cuja manutenção os
sindicatos tanto haviam insistido - deixou de ser o mesmo. Os salários reais, os
salários em mercadorias, foram reduzidos. Agora, o trabalhador já não podia
comprar o mesmo que antes, embora os padrões nominais dos salários tivessem
permanecido os mesmos. Procurou-se, através da adoção dessa medida,
promover o retorno dos padrões salariais reais aos níveis do mercado livre,
para que, conseqüentemente, tivesse lugar o desaparecimento do desemprego.
Essa medida - a desvalorização - foi adotada por muitos outros países, como
a França, os Países Baixos e a Bélgica. A Tchecoslováquia chegou a recorrer a
ela duas vezes no período de um ano e meio. A desvalorização tornou-se um
método sub-reptício, digamos assim, de frustrar o poder dos sindicatos. No
63
entanto, como veremos, este método também não pode ser considerado
verdadeiramente eficiente.
Alguns anos depois, os trabalhadores - e também os sindicatos - começaram
a compreender o que se passava. O povo começou a se dar conta de que a
desvalorização do dinheiro reduzia seu salário real. Os sindicatos tinham força
suficiente para se opor a isso. Em muitos países, inseriu-se nos contratos
salariais uma cláusula que estipulava que os salários em dinheiro deveriam ser
automaticamente majorados quando os preços também o fossem. A isto se
chama Indexar. Os sindicatos haviam tomado consciência da existência de
índices. Assim, aquele método de reduzir o desemprego inaugurado pela Grã-
Bretanha em 1931 - e adotado posteriormente por quase todos os governos
importantes -, já não mais funciona nos nossos dias como método de "resolver
o desemprego". (65)
Em 1936, em sua obra General Theory of Employment, Interest and Money,
Lord Keynes deplo-ravelmente elevou esse método - aquelas medidas de
emergência do período 1929-1933 - à categoria de principio, ao status de
sistema fundamental de política. Justificava sua teoria dizendo mais ou menos
o seguinte: "O desemprego é um mal. Se quiser que desapareça, inflacione o
meio circulante."
Keynes percebeu muito bem que certos padrões salariais podem ser
demasiado altos para o mercado, ou seja, podem ser altos demais para ser
lucrativo a um empregador ampliar a quantidade de empregados que contrata e,
portanto, serão, também altos demais do ponto de vista do conjunto da
população economicamente ativa, uma vez que estes padrões salariais impostos
pelos sindicatos, em níveis superiores aos do mercado, resultam em que apenas
uma parcela dos que anseiam por salários conseguem emprego.
Keynes, então, afirmou aproximadamente o seguinte: "Sem dúvida, o
desemprego em massa, prolongando-se ano após ano, é uma situação muito
insatisfatória." Mas, ao invés de sugerir que os níveis salariais podiam e deviam
ser ajustados às condições de mercado, afirmou: "Se os trabalhadores não
forem suficientemente espertos para perceber a desvalorização da moeda, eles
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não oferecerão resistência a uma queda dos níveis salariais reais, visto que os
níveis nominais permanecerão os mesmos." Em outras palavras, Lord Keynes
estava dizendo que, se receberem a mesma quantidade de libras esterlinas que
ganhavam antes da desvalorização da moeda, as pessoas não se darão conta de
que passaram, de fato, a ganhar menos.
Num linguajar antiquado, Keynes propôs que se ludibriassem os
trabalhadores. Em vez de declarar abertamente qué os padrões salariais devem
ser ajustados às condições do mercado - porque, se não for assim, parte da
população economicamente ativa ficará inevitavelmente desempregada -,
afirmou, na verdade: "O pleno emprego só pode ser alcançado se (66) houver
inflação. Ludibriem os trabalhadores." O fato mais interessante, contudo, é que,
quando sua General Theory foi publicada, a burla já não era possível, uma vez
que as pessoas passaram a ter consciência da inflação. Mas a meta do pleno
emprego permaneceu.
Que vem a ser "pleno emprego"? Esta expressão relaciona-se com o
mercado desobstruído, não manipulado pelos sindicatos ou pelo governo.
Nesse mercado, os padrões salariais para cada tipo de trabalho tendem a atingir
um nível tal que é possível, a todos os que desejam emprego, obtê-lo. Por outro
lado, todo empregador terá, então, condições de contratar tantos trabalhadores
quantos lhe forem necessários. Se ocorrer um aumento da demanda de mão-deobra,
o padrão salarial tenderá a ser maior, se houver necessidade de menor
número de trabalhadores, esse padrão tenderá a cair.
O único método que permite a instauração de uma situação de "pleno
emprego" é a preservação de um mercado de trabalho livre de empecilhos. Isto
se aplica a todo gênero de trabalho e a todo gênero de mercadoria.
Que faz um negociante, se deseja vender determinada mercadoria por cinco
dólares a unidade? A expressão técnica que é aplicada no mundo dos negócios
dos Estados Unidos para o fato de não se conseguir vender uma mercadoria
pelo preço estipulado é "o estoque mantém-se inalterado". Mas é preciso que se
altere. O negociante não pode conservar aqueles artigos, porque tem
necessidade de adquirir novas mercadorias; as modas mudam. Assim, ele os
65
vende por um preço mais baixo. Se não conseguir vender a mercadoria por
cinco dólares, certamente a venderá por quatro. Se for impossível vendê-la por
quatro, será obrigado a vendê-la por três. Não há outra alternativa, desde que
esteja empenhado em manter seu negócio. Pode sofrer prejuízos, mas estes
decorrem do fato de que fez uma previsão errada do mercado existente para seu
produto.
O mesmo acontece com os milhares e milhares de jovens que, dia após dia,
estão vindo dos distritos (67) agrícolas para a cidade, na expectativa de ganhar
dinheiro. É o fenômeno de migração interna, que tem lugar em todas as nações
industrializadas. Nos Estados Unidos, eles vêm para a cidade com a certeza de
que poderão ganhar, digamos, cem dólares por semana. Suas expectativas
podem-se frustrar. Então, aquele que não conseguiu um emprego que pagasse
cem dólares por semana, ver-se-á obrigado a tentar conseguir algum que pague
noventa, oitenta dólares, talvez até menos. Por outro lado, se essa pessoa
declarasse, como fazem os sindicatos: "cem dólares por semana, ou nada",
talvez só lhe restasse permanecer desempregada. Diga-se de passagem, muita
gente não se incomoda com a situação de desemprego, uma vez que o governo
paga auxilios-desemprego - com fundos arrecadados através de taxas especiais
impostas aos empregadores - que por vezes são quase tão altos quanto os
salários que receberiam caso estivessem trabalhando.
Nos Estados Unidos, só se aceita a inflação porque determinado grupo de
pessoas acredita que é só através dela que o pleno emprego pode ser alcançado.
No entanto, ainda a este respeito, uma questão tem sido amplamente debatida:
O que é preferível, um dinheiro lastreado com desemprego ou a inflação com
pleno emprego? Trata-se, na verdade, de um circulo vicioso.
Tentemos analisar o problema. Logo de inicio, deve-se colocar a seguinte
questão: Como podemos melhorar a situação dos trabalhadores e de todos os
demais grupos da população? A resposta é: mantendo o mercado de trabalho
livre de empecilhos e assim alcançando o pleno emprego. Nosso dilema é: os
padrões salariais devem ser determinados pelo mercado, ou devem ser
definidos por pressão e compulsão sindical? Portanto, o cerne da questão não
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reside na alternativa "inflação ou desemprego".
Aliás essa análise distorcida do problema vem sendo proposta na Inglaterra,
nos países industrializados da Europa e até nos Estados Unidos. Há mesmo
quem diga: "Vejam só: até os Estados Unidos (68) estão recorrendo à inflação.
Por que não deveríamos fazer o mesmo?"
A estes deveríamos responder em primeiro lugar: "Um dos privilégios do
homem rico é poder se dar ao luxo de ser insensato por muito mais tempo que o
pobre." E é esta a situação dos Estados Unidos. A política financeira desse país
é muito ruim, e está piorando. Mas certamente trata-se de um país capaz de
arcar com os custos de sua insensatez por um prazo um pouco mais longo que o
que seria tolerado por alguns outros paises.
O mais importante a lembrar é que a inflação não é um ato de Deus, que a
inflação não é uma catástrofe da natureza ou uma doença que se alastra como a
peste. A inflação é uma política, uma política premeditada, adotada por pessoas
que a ela recorrem por considerá-la um mal menor que o desemprego. Mas o
fato é que, a não ser em curtíssimo prazo, a inflação não cura o desemprego.
A inflação é uma política. E uma política pode ser alterada. Assim sendo,
não há razão para nos deixarmos vencer por ela. Se a temos na conta de um
mal, então é preciso estancá-la. É preciso equilibrar o orçamento do governo.
Evidentemente, o apoio da opinião pública é necessário para isso. E cabe aos
intelectuais ajudar o povo a compreender. Uma vez assegurado o apoio da
opinião pública, os representantes eleitos do povo certamente terão condições
de abandonar a política da inflação.
Devemos lembrar que, no final das contas, poderemos estar todos mortos.
Aliás, não restam dúvidas de que estaremos mesmo mortos. Mas deveríamos
cuidar de nossos assuntos terrenos - neste breve intervalo em que nos é dado
viver - da melhor maneira possivel. E uma das medidas necessárias para esse
propósito é abandonar as políticas inflacionárias. (69)