O MAL DE PORTUGAL CHAMA-SE SOCIALISMO

A doença de que padecemos tem um nome: EXCESSO DE ESTADO, ou numa palavra: SOCIALISMO

terça-feira, abril 29

Mises revisitado: sobre o Investimento Externo

QUINTA LIÇÃO

INVESTIMENTO EXTERNO

Há quem atribua aos programas de liberdade econômica um caráter
negativo. Dizem: "Que querem de fato os liberais? São contra o socialismo, a
intervenção governamental, a inflação, a violência sindical, as tarifas
protecionistas... Dizem 'não' a tudo."
Esta me parece uma apresentação unilateral e superficial do problema. É,
sem dúvida, possível formular um programa liberal de forma positiva. Quando
alguém afirma: "Sou contra a censura", não se torna negativo por isso: na
verdade, esta pessoa é a favor de os escritores terem o direito de determinar o
que desejam publicar, sem a interferência do governo. Isso não é negativismo,
é precisamente liberdade. (É óbvio que, ao empregar o termo "liberal" com
relação às condições do sistema econômico,, tenho em mente o velho sentido
clássico da palavra).
Hoje, grande parte das pessoas julga inadequadas as consideráveis
diferenças de padrão de vida existentes entre muitos paises. Dois séculos atrás,
as condições da Grã-Bretanha eram muito piores que as condições atuais da
Índia. Mas em 1750 ps britânicos não se atribuíam os rótulos de
"subdesenvolvidos" ou de "atrasados", pois não tinham como comparar a
situação de seu país com a de outros, que se encontrassem em condições
econômicas mais satisfatórias. Hoje, todos os povos que não atingiram o
padrão (70) de vida médio dos Estados Unidos acreditam haver algo errado na
sua situação econômica. Muitos deles se intitulam "países em
desenvolvimento" e, nessa qualidade, reivindicam ajuda dos chamados países
desenvolvidos ou superdesenvolvidos.
Permitam-me explicar a realidade dessa situação. O padrão de vida é mais
baixo nos chamados países em desenvolvimento porque os ganhos médios para
os mesmos gêneros de trabalhos são mais baixos nesses países que em alguns
outros da Europa Ocidental, que no Canadá, no Japão, e especialmente nos
Estados Unidos. Se investigarmos as razões dessa diferença, seremos obrigados
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a reconhecer que ela não decorre de uma inferioridade dos trabalhadores ou de
outros empregados. Reina entre certos grupos de trabalhadores norteamericanos
a tendência a se julgarem melhores que os outros povos - e que é
graças aos próprios méritos que ganham salários mais altos que os
trabalhadores dos demais países.
Bastaria a um trabalhador norte-americano visitar um outro pais - digamos a
Itália, de onde tantos deles são originários - para constatar que não são suas
qualidades pessoais, mas as condições do pais, que lhe possibilitam receber
salários menos ou mais elevados. Se um siciliano migrar para os Estados
Unidos, em pouco tempo poderá alcançar os padrões salariais correntes neste
país. E, se retornar à Sicília, o mesmo homem verificará que sua permanência
nos Estados Unidos não lhe conferiu qualidades que lhe permitissem auferir, na
Sicilia, salários superiores aos de seus conterrâneos.
Essa situação econômica tampouco pode ser explicada a partir do
pressuposto de que os empresários americanos sejam superiores aos
empresários dos demais países. É fato que - exceção feita ao Canadá, à Europa
Ocidental e a certas regiões da Ásia - o equipamento das fábricas e os
processos tecnológicos são, de modo geral, inferiores aos utilizados nos
Estados Unidos. Mas isso não é fruto da ignorância dos empresários desses
países "subdesenvolvidos". Eles têm perfeita consciência de que as fábricas dos
(71) Estados Unidos e do Canadá são muito mais bem equipadas. Muitos
recebem informações apropriadas sobre tudo isso, uma vez que são obrigados a
se manterem em dia com a tecnologia. As vezes, ao faltarem as informações,
esses empresários buscam outros meios disponíveis para suprir suas
deficiências: recorrem, então, a manuais e revistas técnicas que divulgam esse
conhecimento.
A diferença, repetimos, não reside na inferioridade pessoal nem na
ignorância. A diferença está na disponibilidade de capital, na quantidade
acessível de bens de capital. Em outras palavras, o montante de capital
investido per capita é maior nas chamadas nações avançadas que nas nações
em desenvolvimento.
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Um empresário não pode pagar a um trabalhador mais que a soma
adicionada pelo trabalho desse empregado ao valor do produto. Não lhe pode
pagar mais que aquilo que os clientes se dispõem a pagar pelo trabalho
adicional desse trabalhador individual. Se lhe pagar mais, a paga de seus
clientes não lhe permitirá recuperar seus gastos. Sofrerá prejuízos, e além disso,
como já ressaltei várias vezes, e é do conhecimento geral, um negociante
submetido a prejuízos é obrigado a mudar seus métodos de negociar. Caso
contrário, vai à bancarrota.
Os economistas dizem que "os salários são determinados pela produtividade
marginal da mão-de-obra". Esta afirmativa não é mais que outra formulação do
que acabamos de expor. Não se pode negar o fato de que a escala salarial é
determinada pelo montante em que o trabalho de um indivíduo aumenta o valor
do produto. Dispondo de instrumentos de alta qualidade e eficiência, uma
pessoa poderá realizar, em uma hora de trabalho, muito mais que outra que,
também durante uma hora, trabalhe com instrumentos menos aperfeiçoados e
menos eficientes. É óbvio que cem homens que trabalhem numa fábrica de
calçados nos Estados Unidos produzam muito mais, no mesmo prazo, que cem
sapateiros na Índia, obrigados (72) a utilizar ferramentas antiquadas, num
processo menos sofisticado.
Os empregadores de todas essas nações em desenvolvimento estão
perfeitamente cõnscios de que melhores instrumentos tornariam suas empresas
mais lucrativas. Certamente gostariam de poder não só aumentar o número de
suas fábricas como também adquirir instrumentos mais modernos e
sofisticados. O único empecilho é a escassez de capital. A diferença entre as
nações mais desenvolvidas e as menos desenvolvidas se estabelece em função
do tempo. Os ingleses começaram a poupar antes de todas as outras nações.
Conseqüentemente, também começaram antes a acumular capital e a investi-lo
em negócios. Este foi o fator primordial para que se alcançasse, na Grã-
Bretanha, um padrão de vida bastante elevado numa época em que, em todos os
outros paises europeus, prevalecia ainda um padrão consideravelmente baixo.
Gradualmente, todas as demais nações começaram a analisar o que ocorria na
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Grã-Bretanha e não lhes foi difícil descobrir a razão da riqueza desse pais.
Assim, puseram-se a imitar os métodos dos negociantes ingleses.
De qualquer modo, o fato de outras nações só terem começado mais tarde
seus investimentos e de os britânicos não terem parado de investir capital fez
permanecer uma grande diferença entre as condições econômicas da Inglaterra
e as desses outros países. Mas ocorreu algo que veio anular a superioridade da
Grã-Bretanha.
Aconteceu, então, o fato mais importante da história do século XIX - e não
me refiro apenas à história de um só pais. Trata-se da expansão, no século XIX,
do Investimento externo. Em 1817, o grande economista inglês Ricardo ainda
considerava ponto pacífico que só se poderia investir capital nos limites de um
país. Não considerava a hipótese de os capitalistas virem a investir no
estrangeiro. Mas, algumas décadas mais tarde, o investimento de capital no
estrangeiro começou a desempenhar um papel de importância primordial no
mundo dos negócios. (73)
Sem esse investimento de capital, as nações menos desenvolvidas que a Grã-
Bretanha teriam sido obrigadas a iniciar seu desenvolvimento utilizando-se dos
mesmos métodos e tecnologia usados pelo britânicos em princípio e meados do
século XVIII. Seria preciso procurar imitá-los lentamente, passo a passo. E
sempre se estaria muito aquém do nível tecnológico da economia britânica, de
tudo o que os britânicos já tinham realizado.
Teriam sido necessárias muitas e muitas décadas para que esses países
atingissem o padrão de desenvolvimento tecnológico alcançado, mais de um
século antes, pela Grã-Bretanha. Assim, o investimento externo constituiu-se
num fator preponderante de auxílio para que esses países iniciassem seu
desenvolvimento.
O investimento externo significava que capitalistas investiam capital
britânico em outras partes do mundo. Primeiro, investiram-no naqueles países
europeus que, do ponto de vista da Grã-Bretanha, se apresentavam como os
mais carentes de capital e os mais atrasados em seu desenvolvimento. É do
conhecimento de todos que as estradas de ferro da maioria dos países da
71
Europa - e também as dos Estados Unidos - foram construídas com a ajuda do
capital britânico. Aliás, o mesmo se passou aqui na Argentina.
As companhias de gás, em todas as cidades da Europa, eram também
britânicas. Em meados da década de 1870, um escritor e poeta inglês criticou
seus compatriotas dizendo: "Os britânicos perderam o antigo vigor e já não têm
uma só idéia nova. Deixaram de ser uma nação importante ou de vanguarda." A
isto, Herbert Spencer, o eminente sociólogo, respondeu: "Olhe para a Europa
continental. Todas as capitais européias têm iluminação porque uma companhia
britânica lhes fornece gás." Isso se passou, é claro, numa época que hoje se nos
afígura como a época "remota" da iluminação a gás. Spencer disse ainda mais a
esse critico: "Você afirma que os alemães estão muito à frente da Grã-
Bretanha. Olhe para a Alemanha: até
mesmo Berlim, a capital do Reich alemão, a capital do Qeist, ficaria às
escuras se uma companhia britânica de gás não tivesse entrado no pais e
iluminado as ruas."
Foi também o capital britânico que, nos Estados Unidos, implantou as
estradas de ferro e deu início a diversos ramos industriais. É evidente que, ao
importar capital, o pais passa a ter uma balança comercial que os economistas
qualificam de "desfavorável". Isso significa que suas importações excedem as
exportações. A "balança comercial favorável" da Grã-Bretanha devia-se ao fato
de que suas fábricas enviavam muitos tipos de equipamento para os Estados
Unidos e tinham como pagamento simplesmente ações de companhias norteamericanas.
Esse período da história dos Estados Unidos durou,
aproximadamente, até a década de 1890.
Mas quando este pais, com a ajuda do capital britânico - e mais tarde com a
ajuda das próprias políticas pró-capitalistas -, expandiu seu sistema econômico
de uma maneira inédita, os norte-americanos começaram a comprar de volta o
capital acionário que haviam vendido a estrangeiros. Os Estados Unidos
passaram a ter, então, um excesso de exportações em relação às importações. A
diferença a seu favor era paga pela importação - a repatriação, como a
chamavam - das ações ordinárias norte-americanas.
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Essa fase durou até a Primeira Guerra Mundial. O que aconteceu depois é
uma outra história. Ê a história dos auxílios norte-americanos aos países
beligerantes durante a Primeira e a Segunda Querras Mundiais, bem como nas
entreguerras e após elas: os empréstimos, os Investimentos feitos na Europa,
além do lend-lease*, da ajuda externa, do Plano Marshall, (75) dos alimentos
enviados para outros países e de todos os demais subsídios. Friso isto porque
não são poucos os que acreditam ser vergonhoso ou degradante ter capital
estrangeiro operando em seu pais. Devemos nos dar conta de que em todos os
países, exceto a Inglaterra, o investimento de capital de origem estrangeira
sempre desempenhou um papel da mais considerável importância para a
implantação de indústrias modernas.
Se afirmo que o investimento externo foi o maior acontecimento histórico do
século XIX, faço-o no desejo de lembrar tudo aquilo que nem sequer existiria
se não tivesse havido qualquer investimento externo. Todas as estradas de
ferro, inúmeros portos, fábricas e minas da Ásia, o canal de Suez e muitas
outras coisas no hemisfério ocidental não teriam sido construídos, não fosse o
investimento externo.
O investimento externo é feito na expectativa de que não será expropriado.
Ninguém investiria coisa alguma se soubesse de antemão que seus
investimentos seriam objeto de expropriação. No século XIX e no início do
século XX, não se cogitava disso ao se aplicar no estrangeiro. Desde o
princípio havia, por parte de alguns países, certa hostilidade em relação ao
capital estrangeiro. No entanto, apesar da hostilidade, estes países, em sua
maior parte, compreendiam muito bem que os investimentos externos lhes
propiciavam imensas vantagens.
Em alguns casos, os investimentos externos não eram destinados
* Referência à ajuda prestada nos termos do Lend-Lease Act (Lei de Empréstimo e Arrendamento)
de 1941, pelo qual os Estados Unidos forneciam equipamentos, armas, aviões, alimento, etc. ao Reino
Unido e seus aliados, originalmente como empréstimo em retribuição ao uso de bases militares
britânicas. (Consultados o Websters Dictionary, o Concise Oxford Dlctionary e o Dicionário Inglês-
Português de A. Houaiss). (N. da T.)
73
diretamente a capitalistas de outros países: realizavam-se indiretamente, através
de empréstimos concedidos ao governo do pais estrangeiro. Neste caso, era o
governo que aplicava o dinheiro em investimentos. Foi este, por exemplo, o
caso da Rússia. Por razões puramente políticas, os franceses investiram nesse
pais - nas duas décadas que precederam a Primeira Guerra Mundial - cerca de
vinte bilhões de francos de ouro, sobretudo na forma de empréstimos ao
governo. Todos os grandes empreendimentos desse governo - como, por
exemplo, a ferrovia que liga a Rússia, indo dos montes do Ural, (76) através do
gelo e da neve da Sibéria, até o Pacífico - foram realizados basicamente com
capital estrangeiro emprestado ao governo russo. Como é fácil presumir, os
franceses nem sequer imaginavam que, de um momento para outro, se
implantaria um governo russo comunista que simplesmente declararia não
pretender pagar os débitos contraídos por seus predecessores do governo
czarista.
A partir da Primeira Guerra Mundial, teve inicio um período de guerra
declarada aos investimentos estrangeiros. Uma vez que não há qualquer medida
capaz de impedir um governo de expropriar capital investido, praticamente
inexiste proteção legal para os investimentos externos no mundo de hoje. Os
capitalistas dos países exportadores de capital não previram isso: se o tivessem
feito, teriam sustado todos os investimentos externos há quarenta ou cinqüenta
anos atrás. Na verdade, os capitalistas não acreditavam que algum pais pudesse
ser antiético o bastante para descumprir uma dívida, para expropriar e confiscar
capital estrangeiro. Com este tipo de ação, inaugurou-se um novo capítulo na
história econômica do mundo.
Encerrado o glorioso período do século XIX, em que o capital estrangeiro
fomentou, em todas as partes do mundo, a implantação de modernos métodos
de transporte, de fabricação, de mineração e de tecnologia agrícola, inaugurouse
uma nova era em que governos e partidos políticos passaram a ter o
investidor estrangeiro na conta de um explorador a ser escorraçado do pais.
Os russos não foram os únicos a incorrer nessa atitude anticapítalista. Basta
lembrar, por exemplo, a expropriação dos campos de petróleo norte-americanos
74
no México, bem como tudo o que se passou aqui, neste pais (Argentina).
A situação no mundo de hoje, gerada pelo sistema de expropriação do
capital estrangeiro, consiste ou na expropriação direta ou naquela realizada
indiretamente, por meio do controle do câmbio exterior (77) ou da
discriminação de taxas. Este é sobretudo um problema de nações em
desenvolvimento.
Tomemos, por exemplo, a maior dessas nações: a India. Sob o sistema
britânico, investiu-se, neste pais, predominantemente capital britânico, embora
também tenha havido investimentos de capital originário de outros países da
Europa. Além disso, os britânicos exportaram para a Índia algo extremamente
importante, que precisa ser mencionado neste contexto: exportaram métodos
modernos de combate a doenças contagiosas. O resultado foi um extraordinário
aumento da população do país que, por sua vez, gerou um terrível agravamento
dos seus problemas. Ante essa situação cada vez mais grave, a Índia optou pela
expropriaçáo como meio de enfrentar suas dificuldades. Mas esta expropriaçáo
não foi sempre efetuada de maneira direta: a hostilização do governo aos
capitalistas estrangeiros se mostrava nos empecilhos criados para seus
investimentos. Como conseqüência, só restava aos capitalistas liquidarem seus
negócios.
A Índia podia, é óbvio, obter capital por um outro método: o da acumulação
interna. Mas trata-se de um país tão hostil à acumulação interna de capital
quanto aos capitalistas estrangeiros. O governo indiano declara pretender
industrializar o país, mas o que de fato tem em mente é instituir empresas
socialistas.
Alguns anos atrás, o famoso estadista Ja-waharlal Nehru publicou uma
coletânea de discursos. O livro foi lançado no intuito de tornar os investimentos
estrangeiros na Índia mais atraentes. O governo indiano não é contrário ao
capital estrangeiro antes que este seja investido. A hostilidade só começa
quando já está investido. Nesse livro - cito literalmente - o Sr. Nehru diz:
"Desejamos, é claro, socializar. Mas não somos contrários a iniciativa privada.
Desejamos encorajar de todas as maneiras a iniciativa privada. Queremos
75
afiançar aos empresários que investem no pais que não os expropriaremos ou
os socializaremos num (78) prazo de dez anos, talvez até por mais tempo." E
ele supunha estar fazendo um convite estimulante.
No entanto, o problema real - como sabem todos aqui presentes - está na
acumulação interna de capital. Em todos os países, são extremamente altos os
impostos que, hoje, pesam sobre as companhias. Na verdade, elas sofrem uma
dupla tributação. Além de haver uma severa taxação sobre seus lucros, há,
ainda, outra taxação sobre os dividendos que pagam aos acionistas. E esta
tributação é feita de maneira progressiva.
A tributação progressiva da renda e dos lucros tem como resultado o fato de
que precisamente aquelas parcelas da renda que se tenderia a poupar e a
investir são consumidas no pagamento de tributos. Tomemos o exemplo dos
Estados Unidos. Há alguns anos, havia um imposto sobre "excesso de lucros":
de cada dólar ganho, a companhia retinha apenas dezoito centavos de dólar.
Quando esses 18 centavos eram pagos aos acionistas, aqueles que possuíam um
grande número de ações tinham de pagar, sobre essa cota, como imposto, um
percentual de 16, 18 ou até mais. Assim, de um dólar de lucro, os acionistas
retinham cerca de sete centavos de dólar, ficando o governo com os 93
restantes. A maior parte desses 93% que, nas mãos do acionista, teria sido
economizada e investida, é utilizada pelo governo nas despesas comuns. É esta
a política dos Estados Unidos.
Espero ter deixado claro que a política dos Estados Unidos não é um
exemplo a ser imitado por outros países. Quero apenas ressalvar que um pais
rico tem mais condições de suportar más políticas que um pais pobre. Nos
Estados Unidos, a despeito desses métodos de tributação, ainda se verifica,
todos os anos, alguma acumulação adicional de capital que reverte em
investimentos. Permanece ainda, conseqüentemente, uma tendência à elevação
do padrão de vida.
Mas em muitos outros países o problema é extremamente mais critico. Além
de não haver - ou de não haver em volume suficiente - poupança interna, (79) o
investimento de capital oriundo do estrangeiro é severamente reduzido em
76
decorrência da franca hostilidade existente em relação ao investimento externo.
Como podem estes países falar de industrialização, da necessidade de criar
novas fábricas, de atingir melhores condições econômicas, de elevação do
padrão de vida, de obtenção de padrões salariais mais elevados, de implantar
melhores meios de transporte, se adotam uma prática que terá exatamente o
efeito oposto? O que suas políticas fazem efetivamente, quando criam
obstáculos ao ingresso do capital estrangeiro, é impedir ou retardar a
acumulação interna de capital.
O resultado final é, certamente, extremamente negativo. Como não podia
deixar de ser, decorre de tudo isto uma acentuada perda de confiança: existe
hoje, no mundo todo, um crescente descrédito na viabilidade de se investir no
exterior. Ainda que os países interessados em conseguir novos capitais se
empenhassem em mudar imediatamente suas políticas e fizessem toda a sorte
de promessas, é muito duvidoso que pudessem, mais uma vez, estimular os
capitalistas estrangeiros a neles investirem.
É evidente que existem métodos para evitar que as coisas cheguem a este
ponto. Uma medida possível seria o estabelecimento de alguns estatutos
internacionais - e não somente de acordos - que retirassem os investimentos
externos da jurisdição nacional. Isto poderia ser feito por intermédio das
Nações Unidas. Mas a ONU não passa de um lugar de encontro para discussões
inócuas. Tendo em vista a enorme importância do investimento externo,
percebendo com clareza que só ele pode trazer melhorias para as condições
políticas e econômicas do mundo, precisamos tentar fazer algo em termos de
legislação internacional.
Esta é uma questão legal, de cunho técnico, que estou levantando apenas
para mostrar que a situação não é desesperadora. Se o mundo quiser efetivamente
tornar possível que os países em desenvolvimento elevem seu padrão
de vida, chegando ao (80) "estilo de vida americano", isso poderá ser feito. É
necessário apenas compreender como.
Uma única coisa falta para tornar os paises em desenvolvimento tão
prósperos quanto os Estados Unidos: capital. No entanto, é imprescindível que
77
haja liberdade para empregá-lo sob a disciplina do mercado, não sob a do
governo. É preciso que estas nações acumulem capital interno e viabilizem o
ingresso do capital estrangeiro.
No entanto, faz-se necessário frisar, mais uma vez, que o desenvolvimento
da poupança interna só tem lugar quando as camadas populares se sentem
respaldadas por um sistema econômico que propicie a existência de uma
unidade monetária estável. Em outras palavras, não se pode admitir nenhuma
modalidade de inflação.
Grande parte do capital empregado nas empresas norte-americanas é de
propriedade dos próprios trabalhadores e de outras pessoas de recursos
modestos. Bilhões e bilhões de depósitos de poupança, titulos e apólices de
seguro operam nessas empresas. Hoje, no mercado monetário dos Estados
Unidos, os maiores emprestadores de dinheiro já não são os bancos, mas as
companhias seguradoras. E, do ponto de vista econômico - e não do legal -, o
dinheiro das seguradoras é propriedade do segurado. E praticamente todos os
cidadãos norte-americanos são, de uma forma ou de outra, segurados.
O requisito fundamental para que haja, no mundo, uma maior igualdade
econômica é a industrialização. E esta só se torna possível quando há maior
acumulação e investimento de capital. Talvez eu os tenha surpreendido por não
mencionar uma medida reputada primordial na industrialização de um pais: o
protecionismo. Mas as tarifas e controles do câmbio exterior são exatamente
meios de impedir a importação de capital e a industrialização do país. A única
maneira de fomentar a industrialização é dispor de mais capital. O
protecionismo não faz mais que desviar investimentos de um ramo de negócios
para outro. (81)
Por si mesmo, o protecionismo não acrescenta coisa alguma ao capital de um
país. Para implantar uma nova fábrica, precisa-se de capital. Para modernizar
uma já existente, precisa-se de capital, não de tarifas.
não se trata, aqui, de discutir toda a questão do Livre-câmbio ou do
protecionismo. Espero que a maior parte dos manuais de economia que se
encontram no mercado, ao alcance de todos, já a apresentem adequadamente. A
78
proteção não introduz alterações positivas na situação econômica de um pais.
Também o sindicalismo certamente não vem a promover qualquer melhoria
nessa situação. Se as condições de vida são insatisfatórias e os salários são
baixos, o assalariado que tenha sua atenção voltada para os Estados Unidos e
que leia sobre o que ali se passa, ao ver em filmes, como a casa de um
americano médio é equipada de todos os confortos modernos, pode sentir uma
ponta de inveja. E tem toda razão ao dizer: "Deveríamos ter a mesma coisa."
Nas só se pode obter esta melhoria através do aumento do capital.
Os sindicatos recorrem à violência contra os empresários e contra os que
chamam de "fura-greves". Mas, a despeito de sua força e de sua violência, não
conseguem elevar de maneira contínua os salários de todos os assalariados.
Igualmente ineficazes são os decretos governamentais que estipulam pisos
salariais. O que os sindicatos conseguem de fato produzir (quando são bemsucedidos
na luta pela elevação dos salários) é um desemprego duradouro,
permanente.
Os sindicatos não têm como industrializar o país, não têm como elevar o
padrão de vida dos trabalhadores. E este é o ponto critico. É preciso
compreender que todas as políticas de um pais desejoso de elevar seu padrão de
vida devem estar voltadas para o aumento do capital investido per capita.
Aliás, este investimento de capital per capita continua a crescer nós Estados
Unidos, apesar de todas as más políticas ai adotadas. E o mesmo ocorre no
Canadá e em alguns (82) países da Europa Ocidental. Mas, lamentavelmente,
vem-se reduzindo em países como a Índia.
Lemos todos os dias nos jornais que a população mundial apresenta um
crescimento de cerca de 45 milhões de pessoas - ou até mais - por ano. Aonde
isso nos vai levar? Quais serão os resultados e as conseqüências? Lembrem do
que falei sobre a Grã-Bretanha. Em 1750, os britânicos supunham que seis
milhões de pessoas constituíam uma população excessiva para as Ilhas
Britânicas: todos estariam fadados à fome e à peste. No entanto, nas vésperas
da Última Guerra Mundial, em 1939, cinqüenta milhões de pessoas viviam nas
Ilhas Britânicas com um padrão de vida incomparavelmente superior ao padrão
79
com que se vivia em 1750. Isto era um efeito da chamada industrialização -
termo, por sinal, bastante inadequado.
O progresso da Grã-Bretanha foi gerado pelo aumento do investimento de
capital per capita. Como eu já disse antes, as nações só têm uma maneira de
alcançar a prosperidade: através do aumento do capital, com o decorrente
aumento da produtividade marginal e o crescimento dos salários reais.
Num mundo sem barreiras migratórias, haveria uma tendência à equiparação
dos padrões salariais de todos os países. Atualmente, se não existissem
barreiras à migração, é provável que vinte milhões de pessoas procurassem
ingressar nos Estados Unidos a cada ano, atraidas pelos melhores salários ai
oferecidos. Tal afluência provocaria a redução dos salários nesse país e uma
correspondente elevação em outros.
Embora não haja tempo suficiente nesta exposição para tratarmos das
barreiras migratórias, é importante deixar claro que há outro caminho capaz de
levar à equiparação salarial no mundo inteiro. E este outro caminho, que passa
a valer quando não existe a liberdade para migrar, é a migração de capital. Os
capitalistas tendem a se deslocar para aqueles países onde a mão-de-obra é
abundante e barata. E, pelo próprio fato de introduzirem capital nesses países,
provocam uma tendência à elevação dos padrões salariais. (85) Isso funcionou
no passado e funcionará no futuro do mesmo modo.
Quando houve, pela primeira vez, investimento de capital britânico na
Áustria ou na Bolívia, por exemplo, os padrões salariais ali estabelecidos eram
muito inferiores aos que prevaleciam na Grã-Bretanha. Este investimento
adicional originou, então, uma tendência à alta dos padrões salariais nesses
países, tendência está que se refletiu no mundo inteiro. É um fato bastante
conhecido que, imediatamente após a Introdução, por exemplo, da United Fruit
Company na Guatemala, o resultado foi uma tendência geral a maiores padrões
salariais. A partir dos salários pagos pela United Fruit Company criou-se, para
os demais empregadores, a necessidade de pagar, também, salários mais
elevados. Portanto, não há absolutamente razão para qualquer pessimismo em
relação ao futuro dos países "subdesenvolvidos".
80
Concordo plenamente com os Comunistas e com os sindicalistas quando
proclamam que o necessário é elevar o padrão de vida. Pouco tempo atrás, num
livro publicado nos Estados Unidos, dizia um professor: "Temos agora o
bastante de todas as coisas; por que deveria a população do mundo continuar
trabalhando tanto? Já temos tudo." Não tenho a menor dúvida de que esse
professor tenha tudo. Mas há outros povos, em outros países - e também muitas
pessoas nos Estados Unidos - que desejam e deveriam ter um melhor padrão de
vida.
Fora dos Estados Unidos - na América Latina e, mais ainda, na Ásia e na
África - todos desejam a melhoria das condições do seu país. Um padrão de
vida mais alto acarreta, também, padrões superiores de cultura e de civilização.
Assim, concordo plenamente com a meta final de elevar o padrão de vida em
toda parte. Mas discordo no tocante às medidas a serem adotadas para a
consecução deste objetivo. Que medidas levarão a atingir esta meta?
Certamente não é a proteção, nem a interferência governamental, nem o
socialismo, ou a violência dos sindicatos (84) (eufemisticamente chamada de
barganha coletiva, mas que se constitui, de fato, numa barganha na mira do
revólver).
Alcançar esta meta final de elevação do padrão de vida em toda parte é um
processo bastante lento. Para alguns, talvez demasiadamente lento. Mas não há
atalhos para o paraíso terrestre. Leva tempo, é necessário trabalhar. No entanto,
não será preciso tanto tempo quanto muitos imaginam. A equiparação virá
finalmente.
Por volta de 1840, na região ocidental da Alemanha - na Suábia e em
Württemberg, que eram na época áreas das mais Industrializadas do mundo -,
dizia-se: "Jamais conseguiremos atingir o nível dos britânicos. Os Ingleses têm
uma cabeça de vantagem e estarão sempre à nossa frente." Trinta anos mais
tarde, diziam por sua vez os britânicos: "Essa concorrência alemã é intolerável,
temos de dar um jeito nisso." Por essa época, é claro, o padrão alemão
experimentava uma rápida elevação, multo embora apenas se aproximasse do
padrão britânico. Hoje, a renda per capita alemã nada fica a dever à britânica.
81
No centro da Europa, existe um pequeno pais, a Suíça, muito pouco
aquinhoado pela natureza. Não tem minas de carvão, não tem minérios, não
tem recursos naturais. Mas, ao longo de séculos, seu povo praticou uma política
capitalista e erigiu o mais elevado padrão de vida da Europa continental. Esse
país situa-se, agora, entre os mais destacados centros de civilização do mundo.
Não vejo por que um pais como a Argentina - muito maior que a Suíça, tanto
em população quanto em extensão territorial - não poderia alcançar o mesmo
elevado padrão de vida ao cabo de alguns anos de boas políticas. Mas - como já
o frisei - é imprescindível que as políticas sejam boas. (85)