O MAL DE PORTUGAL CHAMA-SE SOCIALISMO

A doença de que padecemos tem um nome: EXCESSO DE ESTADO, ou numa palavra: SOCIALISMO

quinta-feira, março 13

Sobre o infeliz "manifesto" dos setenta notáveis

.. ou a nova versão de "os ricos que paguem a crise"

Por José Mendonça da Cruz

Esta triste companhia...

Encabeçando a lista de signatários do documento de esquerda que, com a proverbial irresponsabilidade política e financeira, vem clamar pela reestruturação da dívida, está João Cravinho.
João Cravinho é um dos grandes promotores das PPPs ruinosas, que defendeu dizendo que elas eram positivas em termos de orçamento -- ou seja, escondiam a dívida debaixo do futuro.
Entre os signatários conta-se o fidelíssimo socratista João Galamba, que defende que é preferível subir mais os impostos a praticar a  austeridade. E o fidelíssimo soarista (versão radical serôdia) Vítor Ramalho, que considera os mercados um casino e a liberdade económica um flagelo. E Francisco Louçã, cuja agenda secreta depressa conduziria a uma tirania económica, e logo, à tirania tout court. E idem Fernando Rosas. E Carvalho da Silva com suas verdades comunistas. E Boaventura Sousa Santos, o mais intrigante fenómeno português de respeitabilidade cultural. E Freitas, que já nos habituou à errância. E Pedro Marques Lopes, é claro, que agradece toda a ocasião de por-se em bicos dos pés e dizer coisas como a Georgina. E Pedro Adão e Silva, evidentemente, que assinou o programa político de Sócrates, e mais facilmente assina este. (Pacheco Pereira não assina, quer porque a inteligência lho proíba, quer porque a vaidade o impeça de ir em grupos.)
 Por ressentido e abalado que eu estivesse, jamais assinaria um manifesto em tal companhia. Mas talvez António Capucho tenha ficado irremediavelmente toldado pela promessa, depois retirada, da presidência da AR (coisa feia que lhe foi feita, mas que não explica a deriva). Talvez Manuela Ferreira Leite se sinta tão ofendida por Passos Coelho que prefira renegar o próprio programa que defendeu e navegar nas águas ideológicas de outro partido. Talvez António Saraiva sofra por parte de alguns empresários pressões demasiado excessivas e saudades demasiado ávidas da vida empresarial feita com os dinheiros «do Estado» (como eles chamam aos impostos por nós pagos). E talvez a bonomia cristã e a pensão cortada de Bagão Félix lhe pesem tanto que tenha perdido o norte às contas da boa artimética. É pena, mas paciência. Sempre houve e sempre haverá idiotas úteis. Ou, quero eu dizer, inteligentes úteis que sirvam para o mesmo.
  
Quem, nós?!

Mas os males do manifesto pouco têm a ver com a qualidade de quem assina. Têm a ver, sim, com a leitura que faz do passado e com os descaminhos que propõe.
Como explica o manifesto que tenhamos chegado à bancarrota? Houve políticas irresponsáveis? Gastos criminosos? Propaganda e dissimulação? Contabilidade enganosa?
Segundo o manifesto, não. Segundo o manifesto, «a crise internacional iniciada em 2008 conduziu, entre outros factores de desequilibrio, ao crescimento sem precedentes da dívida pública. No biénio anterior, o peso da dívida em relação ao PIB subira 0.7 pontos percentuais, mas elevou-se em 15 pontos percentuais no primeiro biénio da crise.» O governo socialista era, portanto, excelente. E a culpa foi dos estrangeiros.
Não procurem mais. Sócrates assinaria este parágrafo. Surpreendentemente, Ferreira Leite assina.

As coisas que de momento lhes escapam
Intencionalmente distraído, o manifesto prossegue, chorando desta vez as consequências. Diz que «no final de 2013 a dívida pública era de 129% do PIB e a líquida de depósitos de cerca de 120%. O endividamento externo público e privado ascendeu a 225% do PIB e o endividamento consolidado do sector empresarial a mais de 155% do PIB».
Nem uma observação, é claro, para o facto de um empréstimo de 75 mil milhões -- contraído em situação terminal -- aumentar necessariamente a dívida. E nem uma palavra para as contabilidades engenhosas que escondiam desvarios de gestão, e foram saneadas. E, no entanto, Bagão Félix, antigo ministro das Finanças, assina. (Os perigos que ignorávamos e em que estivemos!)
É curioso -- e extremamente esclarecedor -- que o manifesto passe seguidamente a ignorar ou a desvalorizar todas, absolutamente todas, as melhorias dos indicadores. Ignora a descida do défice, a diminuição do desemprego e o aumento do emprego; ignora o aumento persistente das exportações; ignora a novidade do saldo positivo da balança comercial -- uma novidade de décadas; ignora o saneamento das empresas públicas de transportes e outras; ignora a queda das taxas de juro para níveis baixos recorde; ignora a racionalização dos gastos na saúde e na justiça; ignora a contenção salarial; ignora, convenientemente, a acção do ministério das Finanças e do IGCP, cuja prudente acção vem reorganizando a dívida para eliminar, exactamente, os «picos» de reembolso com que os 70 manifestantes acenam; e ignoram, evidentemente (evidentemente!) a possibilidade de «crescimento duradouro e significativo» feito pelos indivíduos e empresas. Para estes manifestantes (chocantemente, também para Capucho, Saraiva, Sevinate, Ferreira Leite), importante é «libertar e canalizar recursos minimamente suficientes a favor do crescimento», ou seja, parar com o saneamento das contas públicas, a que chamam «austeridade pela austeridade», e regressar aos gastos públicos. É todo um programa socialista e estatizante. Os manifestantes são, aliás, claríssimos neste ponto: os saldos positivos, proclamam eles, são «insusceptíveis de imposição prolongada»; e o Estado está «enredado» e «tolhido» por querer corrigir o défice e a dívida. É portanto necessário e urgente, como a esquerda gosta de gritar, cavar o défice, e regressar aos gastos perdulários, e voltar àquela «política de crescimento» inscrita na vulgata de Keynes para idiotas, e que nos trouxe à ruína.
É verdade que os signatários não vislumbraram ruína nenhuma, e que, ao contrário, é agora, no resgate dela, que a vislumbram. Não vislumbram o que toda a gente viu. É, pois, natural que logo de seguida vejam o que só está nos seus sonhos: «o reforço dos riscos de instabilidade política e de conflitualidade social , com os inerentes custos para todos os portugueses.»
Magno precalço, porém: a instabilidade que sonham não existe e a conflitualidade por que anseiam não aconteceu.
Mas os manifestantes querem lá saber. O que eles querem, seja lá como for, é mais Estado, mais dinheiro, mais défice, mais dívida.

Os estrangeiros que paguem a crise

Como fazer, então, para termos mais dinheiro?
É simples: tendo os manifestantes proclamado que a culpa é dos estrangeiros, os estrangeiros que paguem a crise! E vai assim mesmo escrito ao cuidado dos credores: «No futuro próximo, os processos de reestruturação das dívidas de Portugal e de outros países - Portugal não é caso único - deverão ocorrer no espaço institucional europeu, embora provavelmente a contragosto, designadamente dos responsáveis alemães.» E mais, se a Europa e os alemães não pagarem, então os manifestantes decretam-lhes uma morte expedita. Toma lá:  «Se este tipo de intervenções (insuficientes) se mantiver, a União Europeia correrá sérios riscos.»
Julgar-se-ia que o facto de a Europa nos ter resgatado, e o facto de o QREN nos disponibilizar mais 25 mil milhões, numa última oportunidade para aplicação racional, mereceriam alguma referência. Mas, compreensivelmente, não.
Há, neste manifesto de uns 70, uma qualidade sobressaliente: a falta de juízo político. Este manifesto poderia -- se lhe fosse dada importância -- desgastar a credibilidade tão duramente recuperada e comprometer algumas vantagens financeiras que ela nos proporcionou. Alguns dos signatários sabem isso, e desejam-no. E é por isso que se afoitam a estabelecer «as três condições a que a reestruturação deve obedecer». O «abaixamento da taxa média de juro», o «alongamento dos prazos da dívida», e «a reestruturação de, pelo menos, a dívida acima de 60% do PIB».
Tenho que travar o riso quando, lendo isto, me ocorre parafrasear a velha sentença: este manifesto tem condições boas e condições originais; pena que as boas não sejam originais, e as originais não sejam boas. É que a primeira condição, do «abaixamento da taxa média de juro», é aquilo, exactamente, que o governo está a conseguir -- e que nada deve ao manifesto. A segunda condição, do «alongamento dos prazos da dívida», é, precisamente, o que governo e IGCP estão a fazer -- embora o manifesto finja não notar. A única condição original do manifesto é, desafortunadamente, a única que não é boa. Seria, aliás, desastrosa: uma «reestruturação» assim anunciada bastaria para arruinar tudo o que foi e está a ser feito.

Por favor, por favor, um cautelar!

Não tem, então, nada que se aproveite, este sonso e enviesado manifesto, tão desculpabilizante do passado, tão crítico da actualidade, tão elogioso dos passados ruinosos?
Ora, tem, não me entendam mal, seguramente que tem. Eu nunca vi maior alerta, mais viva recomendação, mais gritante defesa da necessidade de um programa cautelar após a saída da troika. Um programa cautelar que nos proteja das crenças assim manifestadas e nos guarde desta irresponsabilidade presunçosa, insistente, retrógrada e destrutiva.