O MAL DE PORTUGAL CHAMA-SE SOCIALISMO

A doença de que padecemos tem um nome: EXCESSO DE ESTADO, ou numa palavra: SOCIALISMO

terça-feira, abril 29

Mises revisitado: sobre a Política e Ideias

SEXTA LlÇÃO

POLÍTICA E IDÉIAS

No Século das Luzes, nos anos em que os norte-americanos instituíram sua
independência, e alguns anos mais tarde, quando as colônias espanholas e
portuguesas se transformaram em nações independentes, predominava na
civilização ocidental um espírito de otimismo. Nessa época, todos os filósofos
e estadistas estavam plenamente convencidos de que vivíamos o alvorecer de
uma nova era de prosperidade, progresso e liberdade. Alimentava-se naqueles
dias a esperança de que as novas instituições políticas - os governos
representativos constitucionais estabelecidos nas nações livres da Europa e da
América - atuariam de forma muito benéfica, e que a liberdade econômica
promoveria a permanente melhoria das condições materiais dá humanidade.
Sabemos perfeitamente que algumas dessas expectativas eram demasiado
otimistas. Não há dúvida de que experimentamos, nos séculos XIX e XX, um
progresso sem precedentes das condições econômicas, progresso este que
tornou possível a uma população muito maior viver num padrão de vida muito
superior ao de épocas anteriores. Mas sabemos, também, que muitas das
esperanças dos filósofos do século XVIII foram atrozmente estilhaçadas -
esperanças de que não haveria mais guerras e de que as revoluções se tornariam
desnecessárias. Essas esperanças não se concretizaram. (86)
Durante o século XIX, houve um período em que as guerras diminuíram,
tanto em número quanto em gravidade. Mas o século XX trouxe um
ressurgimento do espírito belicoso, e temos boas razões para dizer que talvez
ainda não tenhamos chegado ao fim das provações que a humanidade deverá
atravessar.
O sistema constitucional introduzido em fins do século XVIII e inicio do
XIX frustrou a humanidade. A maioria das pessoas - e dos autores - que tratou
desse problema parece pensar que não houve relação entre os aspectos político
e econômico do problema. Tende-se, por conseguinte, a considerar o fenômeno
da deterioração do parlamentarismo - governo exercido pelos representantes do
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povo - como se fosse um fenômeno desvinculado da situação econômica e das
concepções econômicas que determinam as atividades das pessoas.
Essa independência, no entanto, não existe. O homem não é um ser que
tenha, por um lado, uma dimensão econômica e, por outro, uma dimensão
política, dissociadas uma da outra. Na verdade, aquilo a que comumente se dá o
nome de deterioração da liberdade, do governo constitucional e das instituições
representativas, nada mais é que a conseqüência da mudança radical das idéias
políticas e econômicas. Os eventos políticos são a conseqüência inevitável da
mudança das políticas econômicas.
As idéias que nortearam os estadistas, filósofos e juristas que, no século
XVIII e princípio do século XIX, elaboraram os fundamentos do novo sistema
político, partiam do pressuposto de que, numa nação, todos os cidadãos
honestos têm uma mesma meta final. Essa meta final na qual todos os homens
decentes se deveriam empenhar é o bem-estar de toda a nação, assim como o
das demais nações. Aqueles líderes morais e políticos estavam, portanto,
firmemente convencidos de que uma nação livre não está interessada em
conquista. Julgavam a luta partidária algo simplesmente natural, uma vez que
lhes parecia totalmente normal a existência de diferenças de opinião (87) no
tocante à melhor maneira de se conduzirem os negócios do estado.
As pessoas que tinham idéias semelhantes acerca de um problema
cooperavam, e a essa cooperação dava-se o nome de partido. Por outro lado, a
estrutura partidária não era permanente: não se baseava na posição ocupada
pelos indivíduos no conjunto da estrutura social e podia sofrer alterações, caso
as pessoas se dessem conta de que sua posição original fundamentara-se em
pressupostos errôneos, ou em idéias equivocadas. Desse ponto de vista, muitos
consideravam as discussões desenroladas nas campanhas eleitorais e,
posteriormente, nas assembléias legislativas, um importante fator político. Não
concebiam os discursos dos membros de um congresso como meros
pronunciamentos que anunciavam ao mundo as aspirações de um partido
político. Viam-nos como tentativas de convencer os grupos adversários de que
as idéias apresentadas pelo orador eram mais corretas, mais propícias ao bem
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comum que outras idéias antes apresentadas.
Discursos políticos, editoriais em jornais, folhetos e livros eram escritos no
intuito de persuadir. Não havia por que acreditar ser impossível para alguém
convencer a maioria da absoluta correção das próprias idéias, desde que estas
fossem bem fundamentadas. Foi nessa perspectiva que as normas
constitucionais foram formuladas nos órgãos legislativos do principio do século
XIX.
No entanto, partia-se do pressuposto de que o governo não iria interferir nas
condições econômicas do mercado. Era preciso, também, que todos os cidadãos
tivessem um único objetivo político: o bem-estar de todo o pais e de toda a
nação. E foi precisamente essa a filosofia social e econômica que o
intervencionismo veio a suplantar, gerando uma filosofia totalmente diversa.
Segundo as concepções intervencionistas, é dever do governo apoiar,
subsidiar, conceder privilégios a grupos especiais. O estadista do século XVIII
pensava que os legisladores tinham idéias (88) específicas sobre o bem comum.
Hoje, entretanto, constatamos, na realidade da vida política - praticamente na
de todos os países do mundo onde não vigora simplesmente uma ditadura
comunista - uma situação em que já não existem partidos políticos autênticos,
no velho sentido clássico, mas tão-somente grupos de pressão.
Um grupo de pressão é um grupo de pessoas desejoso de obter um privilégio
à custa do restante da nação. Esse privilégio pode consistir numa tarifa sobre
importações competitivas, pode consistir em leis que impeçam a concorrência
de outros. Seja como for, confere aos membros de um grupo uma posição
especial. Dá-lhes algo que é negado, ou deve ser negado - segundo os desígnios
do grupo de pressão - a outros grupos.
Nos Estados Unidos, o sistema bipar-tidário dos velhos tempos
aparentemente ainda se conserva. Mas isso é apenas uma camuflagem da
situação real. Ma verdade, a vida política desse pais - bem como a de todos os
demais - é determinada pela luta e pelas aspirações de grupos de pressão. Nos
Estados Unidos, continuam a existir um Partido Republicano e um Partido
Democrata, mas cada um deles abriga representantes dos mesmos grupos de
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pressão. Estes representantes estão mais interessados em cooperar com outros
representantes do mesmo grupo, mesmo que sejam filiados ao partido
adversário, que com os esforços dos próprios companheiros de partido.
Assim, por exemplo, se conversarmos nos Estados Unidos com pessoas que
efetivamente conheçam as atividades do Congresso, elas nos dirão: "Tal
político, tal membro do Congresso representa os interesses dos grupos ligados à
prata." Ou dirão que tal outro político representa os plantadores de trigo.
Como é óbvio, cada um desses grupos de pressão constitui, necessariamente,
uma minoria. Num sistema baseado na divisão do trabalho, todo grupo especial
que almeja privilégios não pode deixar de ser uma minoria. E as minorias não
têm qualquer possibilidade de êxito, senão pela colaboração com (69) outras
minorias congêneres, ou seja, com outros grupos de pressão semelhantes. Nas
assembléias legislativas, procura-se compor uma coalizão entre vários grupos
de pressão, de tal modo que possam vir a se converter em maioria. Mas,
passado algum tempo, essa coalizão pode se desintegrar, uma vez que há
questões que tornam impossível o acordo entre vários grupos. Novas coalizões,
então, se formam.
Foi o que ocorreu na França em 1871, numa situação que se configurou, aos
olhos dos historiadores, como "a queda da Terceira República". Não se tratou,
porém, de um declínio da Terceira República; houve simplesmente uma mostra
de que o sistema de grupos de pressão não é algo que se possa aplicar com
sucesso ao governo de uma grande nação.
Temos, nos órgãos legislativos, representantes do trigo, da carne, da prata,
do petróleo, mas, antes de tudo, de diversos sindicatos. Só uma coisa não está
representada no legislativo: a nação como um todo. Apenas vozes isoladas se
põem ao lado do conjunto da nação. E todos os problemas, mesmo os de
política exterior, são encarados do ponto de vista dos interesses especiais dos
grupos de pressão.
Nos Estados Unidos, alguns dos estados de menor população estão
interessados no preço da prata. Mas nem todos os habitantes desses estados têm
esse interesse. Todavia, o pais despendeu, por muitas décadas, considerável
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soma de dinheiro, à custa dos contribuintes, para comprar prata a um preço
superior ao do mercado. Para mencionar mais um exemplo, só uma pequena
parcela da população norte-americana dedica-se à agricultura; o restante é
constituído por consumidores - não produtores - de produtos agrícolas. Não
obstante, esse pais tem uma política que envolve o gasto de bilhões e bilhões de
dólares com a finalidade de manter os preços dos produtos agrícolas acima do
preço potencial de mercado.
Não se pode dizer que esta é uma política de favorecimento de uma pequena
minoria, visto que esses interesses agrícolas não são uniformes. Os que se
dedicam à produção de leite não estão interessados (90) num alto preço para os
cereais; ao contrário, prefeririam que esse produto fosse mais barato. Um
criador de galinhas desejaria um preço mais baixo para a ração que compra. Há
muitos interesses específicos incompatíveis no interior desse grupo, por
pequeno que seja. E apesar de tudo, uma hábil diplomacia cria condições que
permitem a pequenos grupos obterem privilégios a expensas da maioria.
Uma situação especialmente interessante nos Estados Unidos relaciona-se ao
açúcar. Talvez apenas um dentre quinhentos norte-americanos esteja
interessado num preço mais alto para o açúcar. Provavelmente os outros 499
querem um preço mais baixo. Contudo, a política do país empenha-se,
mediante tarifas e outras medidas especiais, numa elevação do preço do açúcar.
Essa política não prejudica somente os interesses dos 499 que são
consumidores de açúcar: gera também um gravíssimo problema de política
exterior. O objetivo da política exterior norte-americana é a cooperação com
todas as demais repúblicas. Ora, algumas delas têm interesse em vender açúcar
aos Estados Unidos e desejariam vendê-lo em maiores quantidades. Este
exemplo ilustra como os interesses dos grupos de pressão são capazes de
determinar até mesmo a política exterior de uma nação.
Ao longo de anos, em todas as partes do mundo, se tem escrito sobre
democracia - sobre o governo popular representativo. Esses textos trazem
queixas das deficiências do regime, mas a democracia que criticam é apenas
aquela em que o intervencionismo é a política que rege o pais.
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Hoje, poderíamos ouvir as seguintes palavras: "No principio do século XIX,
nos parlamentos da França, Inglaterra, Estados Unidos e outras nações, faziamse
pronunciamentos sobre os grandes problemas da humanidade. Lutava-se
contra a tirania, pela liberdade, pela cooperação com todas as outras nações
livres. Mas hoje somos mais práticos no parlamento!"
Não há dúvida de que somos mais práticos; hoje não se fala sobre liberdade;
fala-se sobre a (91) majoração do preço do amendoim, Se isso é ser prático,
então é óbvio que os parlamentos mudaram consideravelmente, mas não para
melhor.
Essas mudanças políticas, fruto do intervencionismo, reduziram
consideravelmente o poder que têm as nações e os representantes para resistir
às aspirações de ditadores e às ações de tiranos. Há representantes em órgãos
legislativos exclusivamente interessados em satisfazer eleitores que desejam,
por exemplo, um preço alto para o açúcar, para o leite e para a manteiga, e um
preço baixo para o trigo (subsidiado pelo governo). Estes parlamentares nunca
poderão representar verdadeiramente o povo: jamais lhes será possível
representar a totalidade de seu eleitorado.
Os eleitores favoráveis a esses privilégios não levam em conta que há
também outros eleitores, com posições totalmente divergentes, que, tendo
pretensões diametralmente opostas, não permitem que seus representantes
tenham um êxito absoluto.
Acresce que este sistema, além de, por um lado, trazer um constante
aumento dos gastos públicos, dificulta, por outro, o estabelecimento de
impostos. Esses representantes dos grupos de pressão almejam muitos
privilégios especiais para seus respectivos grupos, mas não desejam onerar suas
bases de sustentação política com uma carga tributária demasiado pesada.
Não era idéia dos fundadores do moderno governo constitucional, no século
XVIII, que um legislador devesse representar não o conjunto da nação, mas
apenas os interesses específicos do distrito em que fora eleito. Essa foi, aliás,
uma das conseqüências do intervencionismo. Segundo a concepção original,
cada membro do parlamento deveria representar toda a nação. Era eleito em
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determinado distrito somente porque ali era bem conhecido, sendo escolhido
por pessoas que nele confiavam.
Mas não se pretendia que esse representante ingressasse no governo com o
objetivo de proporcionar algo especial para seu eleitorado, para (92) reivindicar
uma nova escola, um novo hospital ou um novo manicômio - causando assim
considerável elevação dos gastos governamentais no seu distrito. Os grupos
políticos de pressão permitem entender por que é quase impossível, a quase
todos os governos, deter a inflação. Quando as autoridades eleitas procuram
restringir despesas, limitar gastos, os que defendem interesses especiais - uma
vez que serão beneficiários diretos de determinados itens do orçamento -
apresentam-se para declarar que tal projeto especifico não pode ser posto em
prática, ou que tal outro deve ser implementado.
A ditadura, claro, não é solução para os problemas econômicos, como não é
resposta para os problemas da liberdade. Um ditador pode começar fazendo
toda a sorte de promessas, mas, ditador que é, não as cumprirá. Em vez disso,
suprimirá imediatamente a liberdade de expressão, de tal modo que os jornais e
os oradores no parlamento já não possam assinalar - nos dias, meses ou anos
subseqüentes - que no primeiro dia de sua ditadura, ele dissera algo diverso do
que passou a praticar dali por diante.
A terrível ditadura que um pais tão importante como a Alemanha foi
obrigada a sofrer no passado recente vem-nos à mente quando consideramos o
declínio da liberdade em tantos países, nos nossos dias. A triste conseqüência é
a deterioração da liberdade e a decadência da nossa civilização, de que tanto se
fala hoje em dia.
Diz-se que toda civilização acabará, finalmente, por entrar em processo de
deterioração e de desintegração. Tal idéia tem eminentes defensores. Um deles
foi um professor alemão, Spengler, e outro, muito mais conhecido, foi o
historiador inglês Toynbee. Eles nos asseveram que nossa civilização já está
velha. Spengler comparou a civilização a plantas que crescem, crescem, mas
cujas vidas finalmente se encerram. O mesmo, diz ele, se aplica às civilizações.
A aproximação metafórica entre uma civilização e uma planta é completamente
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arbitrária. (93)
Antes de mais nada, é muito difícil distinguir no próprio âmbito da história
da humanidade, civilizações diferentes, independentes. As civilizações não são
independentes; são interdependentes, exercendo umas sobre as outras constante
influência. Não se pode, portanto, falar de declinio de uma civilização do
mesmo modo como se fala da morte de determinada planta.
Mas, mesmo refutando-se as doutrinas de Spengler e Toynbee, resta ainda
uma comparação muito usual: a comparação entre civilizações em deterioração.
Não há dúvida de que, no século II d.C, o Império Romano gerou uma
florescente civilização, a qual se constituiu na mais elevada das que se
desenvolveram nas regiões da Europa, Ásia e África. Houve
concomitantemente elevadíssima civilização econômica, baseada num certo
grau de divisão do trabalho. Embora esta civilização econômica possa parecer
extremamente primitiva quando comparada às condições atuais, ela teve
características certamente notáveis. Alcançou o mais alto grau de divisão do
trabalho jamais atingido até o advento do capitalismo moderno. Não é menos
verdade que essa civilização se deteriorou, sobretudo no século III. E foi esta
desintegração no seio de seu império que tornou impossível aos romanos
resistirem à agressão externa. Embora esta agressão não fosse pior que outras
muitas vezes repelidas nos séculos precedentes, os romanos já não tiveram
condições de lhe opor resistência, desgastados que estavam pelo que se passara
no interior do seu império.
Que acontecera? Qual teria sido o problema? Qual poderia ter sido a causa
de desintegração de um império que, sob todos os aspectos, construíra uma
civilização sem outra que se lhe igualasse até o século XVIII? A verdade é que
essa civilização foi destruída por algo semelhante, quase idêntico, aos perigos
que rondam hoje a nossa civilização: por um lado houve intervencionismo; por
outro, inflação. O intervencionismo no Império Romano consistia no fato de
que, seguindo o modelo político dos seus predecessores (94) gregos, os
romanos impunham o controle dos preços. Era um controle brando,
praticamente sem conseqüências, porque, durante séculos, não se procurou
90
reduzir os preços a um nivel abaixo de seu nivel de mercado.
Quando a inflação teve início, no século III, os romanos ainda não
dispunham dos nossos recursos técnicos para promovê-la - não tinham como
imprimir dinheiro. Lançavam mão do método que consistia em enfraquecer o
teor da liga metálica com que se cunhavam as moedas, sem dúvida um sistema
de Inflacionar muito menos eficaz que o atual, que pode, através de modernas
máquinas impressoras, destruir com tanta facilidade o valor do dinheiro. Mas
seu antigo método era eficiente o bastante para surtir o mesmo efeito, ou seja,
para exercer o controle de preços. Deste modo, os preços que as autoridades
toleravam passaram a estar abaixo do preço potencial a que a inflação elevara
as várias mercadorias.
O resultado, obviamente, foi que a oferta de produtos alimentícios nas
cidades reduziu-se. As populações urbanas foram obrigadas a retornar ao
campo e às atividades agrícolas. Os romanos nunca se deram conta do que
estava ocorrendo. Não compreenderam. Não tinham desenvolvido instrumentos
mentais que lhes permitissem interpretar os problemas da divisão do trabalho e
as conseqüências da inflação no mercado de preços. Tinham, no entanto,
clareza suficiente para reconhecer o quanto era nefasta aquela inflação e
deterioração da moeda corrente.
Os imperadores, então, baixaram leis que proibiam o deslocamento dos
habitantes da cidade para o campo, mas tais leis não tiveram efeito. Aliás, não
havia lei capaz de impedir que as pessoas que passavam fome, pois nada
tinham para comer, abandonassem a cidade e retornassem à agricultura. O
habitante da cidade já não podia trabalhar nas indústrias urbanas de
processamento como artesão. Os prejuízos dos mercados nas cidades eram tais
que já se tornara impossível comprar qualquer mercadoria. (95)
Assim, do século III em diante, as cidades do Império Romano entraram em
decadência, e a divisão do trabalho tornou-se muito mais precária que a de
antes. Finalmente, o sistema medieval da casa de família auto-suficiente, a
"villa", como foi chamada em leis posteriores, emergiu.
Portanto, se compararmos nossas condições com as do Império Romano,
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teremos razões para dizer: "Iremos pelo mesmo caminho." Há muitos fatos
semelhantes. Nas há também enormes diferenças, que não estão relacionadas
com a estrutura; política dominante na segunda metade do século III. nesse
período, havia o assassinato de um imperador a cada três anos em média. O
assassino ou o responsável pela morte tornava-se seu sucessor. Cerca de três
anos depois, a história se repetia. Diocleciano, quando tornou-se imperador, no
ano 284, tentou por algum tempo, sem sucesso, resistir à deterioração do
Império.
As diferenças entre as condições atuais e as de Roma do século III são
enormes, porque as medidas que causaram a desintegração do Império Romano
não foram premeditadas. Não eram, eu diria, medidas assumidas em
conseqüência de doutrinas condenáveis mas bem formalizadas.
As idéias intervencionistas, as idéias socialistas, as idéias inflacionistas de
nossos dias foram engendradas e formalizadas por escritores e professores. E
são ensinadas nas universidades. Poder-se-ia então observar: "A situação atual
é muito pior.'' Eu respondo: "Não, não é pior." É melhor, na minha opinião,
porque idéias podem ser derrotadas por outras idéias. Ninguém duvidava, na
época dos imperadores romanos, de que a determinação de preços máximos era
uma boa política, e de que assistia ao governo o direito de adotá-la. Ninguém
discutia isso.
Mas agora, quando temos escolas, professores e livros prescrevendo tais e
tais caminhos, sabemos muito bem que se trata de um problema a discutir.
Todas essas idéias nefastas que hoje nos afligem, (96) que tornaram nossas
políticas tão nocivas, foram elaboradas por técnicos do meio acadêmico.
Um famoso autor espanhol falou a respeito da "revolta das massas".
Devemos ser muito cuidadosos no uso desse termo, porque essa revolta não foi
feita pelas massas: foi feita pelos intelectuais, que, não sendo homens do povo,
elaboraram doutrinas. Segundo a doutrina marxista, só os proletários têm boas
idéias, e a mente proletária, sozinha, engendrou o socialismo. Todos esses
autores socialistas, sem exceção, eram "burgueses", no sentido em que eles
próprios, socialistas, usam o termo.
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Karl Marx não teve origem proletária. Era filho de um advogado. Não
precisou trabalhar para chegar à universidade. Fez seus estudos superiores do
mesmo modo como o fazem hoje os filhos das famílias abastadas. Mais tarde, e
pelo resto de sua vida, foi sustentado pelo amigo Friedrich Engels, que - sendo
um industrial -, era do pior tipo "burguês", segundo as idéias socialistas. Na
linguagem do marxismo, era um explorador.
Tudo o que ocorre na sociedade de nossos dias é fruto de idéias, sejam elas
boas, sejam elas más. Faz-se necessário combater as más idéias. Devemos lutar
contra tudo o que não é bom na vida pública. Devemos substituir as idéias
errôneas por outras melhores, devemos refutar as doutrinas que promovem a
violência sindical. É nosso dever lutar contra o confisco da propriedade, o
controle de preços, a inflação e contra tantos outros males que nos assolam.
Idéias, e somente idéias, podem iluminar a escuridão. As boas idéias devem
ser levadas às pessoas de tal modo que elas se convençam de que essas idéias
são as corretas, e saibam quais são as errôneas. No glorioso período do século
XIX, as notáveis realizações do capitalismo foram fruto das idéias dos
economistas clássicos, de Adam Smith e David Ricardo, de Bastiat e outros.
Precisamos, apenas, substituir más idéias por idéias melhores. A geração
vindoura conseguirá fazer isso. Não apenas espero que assim seja: (97) tenho
mesmo muita confiança neste futuro. Nossa civilização, não está condenada,
malgrado o que dizem Spengler e Toynbee. Nossa civilização sobreviverá, e
deve sobreviver. E sobreviverá respaldada em idéias melhores que aquelas que
hoje governam a maior parte do mundo, idéias que serão engendradas pela
nova geração.
Já considero um ótimo sinal o simples fato de eu hoje estar aqui, nesta
grande cidade que é Buenos Aires, a convite deste Centro, falando sobre a livre
economia. Há cinqüenta anos atrás, ninguém no mundo ousava dizer uma
palavra sequer em favor de uma economia livre. Hoje, em alguns dos países
mais avançados do mundo, já temos instituições que são centros para a
propagação destas idéias.
Infelizmente, não me foi possível dizer muito sobre essas questões tão
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importantes. Seis palestras podem ser excessivas pára um auditório, mas não
são bastantes quando se quer expor toda a filosofia que embasa o sistema de
livre economia. Por outro lado, certamente não são bastantes para que se possa
refutar tudo o que de insensato vem sendo escrito, nos últimos cinqüenta anos,
acerca dos problemas econômicos de que estamos tratando.
Estou muito agradecido a este Centro pela oportunidade de me dirigir a tão
distinta platéia e espero que, dentro de alguns anos, o número dos defensores
das idéias em prol da liberdade tenha crescido consideravelmente, neste e em
outros países. Quanto a mim, tenho plena confiança no futuro da liberdade,
tanto política quanto econômica. (98)
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